domingo, 13 de dezembro de 2009

O marketing do Flamengo em 2009

O ano terminou com os olhos e corações rubronegros postados sobre Andrade, Adriano, Pet & Cia., como é justo e natural. Aliás, se fosse diferente seria mais que estranho. Meus olhos, porém, estão focados em outra área do Flamengo, com desempenho no mínimo no mesmo nível da rapaziada de Andrade: o marketing.

Terminei 2007 e comecei 2008 criticando ações do clube na relação com a Petrobras. Nessa passagem de ano, por sinal, este Olhar Crônico Esportivo alertou que o clube perderia pelo menos três meses de patrocínio, por conta de negociações atrasadas e mal feitas, o que de fato ocorreu. Abri 2009 criticando a relação Flamengo/Petrobras, de novo. O assunto já era meio cansativo e agora tinha o agravante do atraso e, finalmente, não obtenção das CNDs – certidões negativas de débito – necessárias à liberação da verba. Apesar disso, manter o patrocínio da Petrobras era questão fechada e ponto de honra, tanto que o assunto era tratado diretamente pelo então presidente Marcio Braga. Incompreensivelmente, o CRF tinha medo de ir ao mercado e ficava preso numa relação cada vez mais problemática. Por bem ou por mal, o casamento acabou e o clube, finalmente, foi ao mercado. Em meio a negociações que não evoluíram, o já então presidente em exercício, Delair Dumbrosck também foi criticado ao recusar um patrocínio de ocasião, ou de oportunidade, para as finais do Carioca. Novamente, no caso, uma decisão presidencial, assunto abordado em dois ou três posts deste Olhar Crônico Esportivo na época. Um deles, inclusive, sobre a polêmica declaração de Leonardo dizendo que o melhor seria vender o Flamengo. Essas eram as abordagens mais comuns do OCE em relação ao clube, mas não as únicas.

Antes disso, ainda no princípio de março, no post “Vamos desatar os nós!”, fruto de conversas com o diretor de marketing rubronegro Ricardo Hinrichsen, falava das ações que o marketing projetava para o clube. Ações que não saíam do papel e só dali sairiam depois que alguns nós fossem desatados, o maior e principal deles o contrato litigioso com a Nike. Para quem olhasse de fora e não tivesse um bom conhecimento da mecânica das ações de marketing e das questões contratuais, as afirmações do Ricardo poderiam parecer meras desculpas para pouco fazer, projetando coisas maravilhosas para um futuro idem.

Ora, marketing é bom e essencial, mas não faz milagre, seja numa empresa, seja num clube, seja na vida pessoal. Marketing é uma coisa etérea, mas que só funciona a partir de coisas muito concretas. E se você não as tem, não adianta projetar castelos. O contrato Nike travava ações que, em tese ou numa primeira olhada, nada teriam a ver com ele. Como, por exemplo, um programa de associados. Vejam que usei “associados” e não “sócio-torcedor”. Como numa receita de bolo, leia e reserve. Voltarei ao assunto.

Finalmente, o ansiado final do contrato chegou. E chegou da forma certa: Flamengo e Nike terminaram em boa paz, civilizadamente, como devem ser os finais de relação. E agora? Bom, era chegada a hora de começar a ver com olhos mais críticos e um certo espírito de cobrança.

Em 18 de setembro o post “Os nós foram desatados” relatou como evoluíam as coisas do marketing na Gávea. Os primeiros resultados já excediam as expectativas mais otimistas. Nós desatados, o marketing evoluía e apresentava resultados.

Há pouco, disse que marketing não faz milagres. Agora, mais uma coisa importante: marketing não é uma maquininha que funciona com um botão de liga/desliga. Marketing é processo, na verdade, uma somatória de processos. E é muito mais que uma ação ou muitas ações: marketing é, também, mentalidade. A Nike, ressalvado seu inexplicável (ainda e para mim) fracasso com o Flamengo, é um exemplo perfeito e acabado de uma empresa de marketing. O sucesso da companhia é devido, quase que exclusivamente, ao marketing. Do presidente ao mais novo estagiário, todos pensam marqueteiramente. Não existe marketing sem consumidor. Não existe consumidor sem fidelidade, sem qualidade e sem que o mesmo seja respeitado. Portanto, falar em marketing no futebol é fácil. Fazer e sustentar com bons resultados, porém, é muito, muito difícil, até porque tem que tratar o torcedor como consumidor. Voltemos à receita: leia e reserve.

Reparem numa coisa importante: até o momento desse post de 18 de setembro, o mais provável e melhor resultado para o time de futebol, era conseguir uma vaga para a disputa da Sul Americana. Ou seja, o marketing caminhava na contramão do time. É óbvio, e nem seria preciso dizer, mas como há as cobranças xiitas – no velho sentido do termo – é bom dizer para evitar abobrinhas: a torcida já fazia seu papel. E muito bem, diga-se. Só não digo “como sempre” porque nem sempre a torcida colabora com o time para valer (pronto, combustível para os xiitas; divirtam-se).

Tudo isso é passado, tudo isso já é mera história. E uso “mera” porque assim é tratada a história no Brasil: como mero detalhe. Tanto que diariamente repetimos erros e crimes do passado, como, por exemplo, mensalões.

Hoje tudo é diferente.

Depois de brilhante campanha na reta final, o Flamengo dirigido por Andrade conquistou o título brasileiro pela sexta vez (por favor, dispenso comentários sobre 1987, o ano em que o Brasil teve, e terá para sempre, dois campeões). Um título dessa magnitude, nesse momento vivido pelo clube, com essa torcida gigante e apaixonada, pode ser, como já está sendo, uma poderosa alavanca para tudo. Desde que os pés sejam mantidos no chão. Algo como ter a cabeça nas nuvens, mas com os pés bem plantados na terra. Além de não se fazer besteira, eventuais tombos não machucam. É nesse cenário que voltei a conversar com o Ricardo, uma conversa com sabor de balanço.

Sem dúvida o fato mais importante do período foi o início da relação com a Vulcabrás, dona da marca Olympikus. Cabe aqui um destaque: os quatro primeiros colocados do BR 2009 são patrocinados pela Vulcabrás. Desses, três pela marca Reebok – São Paulo, Internacional e Cruzeiro – e o Flamengo, introduzindo Olympikus no futebol. Pelo quarto ano seguido a Vulcabrás patrocina o campeão brasileiro. Em parte é coincidência, mas em parte é mais que isso.

Todos já sabem do sucesso que tem sido esse início de relação. Logo no início dessa semana, a meta de 1 milhão de camisas vendidas já tinha sido batida com confortáveis 10% a mais, restando ainda duas semanas para o Natal. Esse dado espetacular, muito acima das expectativas, é importante, sim, mas não é o único. Desde 1º de julho o clube tem segurança para projetar ações, sabendo que terá retaguarda para levá-las a cabo. Entre clube e empresa há excelentes canais de comunicação, sempre abertos, coisa que parece óbvia, é óbvia, mas nem sempre ocorre.

O Museu do Flamengo em breve será realidade, financiado pelo patrocinador, assim como já é realidade a loja na sede, a primeira de onze negociadas no contrato. O projeto para venda direta ao torcedor, entretanto, é muito mais ambicioso e totalmente factível.

Flamengo e Olympikus conversam com a Poá Têxtil, empresa que já administra a Poderoso Timão, loja oficial do Corinthians, visando a implantação de uma grande rede de lojas do Flamengo por todo o país. O número é estimado entre 150 e 250 lojas, e o programa “Quiosque Flamengo” – abordado neste Olhar Crônico Esportivo em 18 de setembro – passa a fazer parte desse novo projeto de lojas. Cada um na sua área de expertise, sendo a da Poá a administração de lojas.

Um dado que mostra o potencial desse projeto: estima-se um retorno líquido para o clube de 18 milhões de reais em royalties para cada 100 lojas. Uma rede com 200 unidades, portanto, poderia trazer quase 40 milhões de reais por ano para os cofres do clube. Este, sem dúvida, é o grande negócio à vista no futuro do Flamengo. Lembrando, para os mais apressados, que esses projetos demandam tempo para maturação e realização.

No final do mês termina o patrocínio máster negociado com a ALE. As conversas para renovação estão adiantadas, mas há outras empresas interessadas, inclusive a Petrobras, por meio da BR Distribuidora. Outra empresa que anda conversando com o Flamengo, segundo ouvi de um profissional do mercado, seria a Batavo, incomodada com algumas coisas no Corinthians, inclusive o valor pretendido pela direção corintiana para renovação (assunto comentado no post anterior).

O objetivo do clube é conseguir 24 milhões de reais por esse patrocínio. Um valor interessante, mas como já adiantei no post anterior muito difícil de ser conseguido. Considerando o mercado brasileiro, diria que 20 milhões é um valor excelente. Hoje, já há proposta concreta de 18 milhões de reais na mesa.

Há, também, o patrocínio nas mangas, ocupadas pela Bozzano. A meta é atingir 6 milhões de reais, praticamente dobrando o valor recebido hoje. Também como já disse, considero mais provável um acordo na faixa de 4 milhões anuais, eventualmente até 5 milhões, dependendo de acertos com ações paralelas, por exemplo. Seja como for, são valores excelentes para o mercado brasileiro e para os índices mercadológicos do Clube de Regatas do Flamengo. Convém deixar claro que essas avaliações são minhas, pois a posição do clube e de seu diretor de marketing é brigar para conseguir o que consideram justo e dentro do valor de mercado. Vejam que é um salto muito grande em relação aos tempos de contrato com a Petrobras, com suas idas e vindas e perda de meses preciosos.

O Flamengo foi ao mercado e se deu bem.

Atração turística…

Esse é um dos objetivos do clube para sua sede, fazer com o que o complexo Museu/Megaloja/Restaurante Temático seja um dos três pontos turísticos mais visitados do Rio de Janeiro. Como é a sede do Barça, na turística Barcelona. Como é La Bombonera, em Buenos Aires.

Ao pensar nesse Complexo, precisamos lembrar que 80% dos torcedores do Flamengo moram fora do Rio de Janeiro, e isso representa um número gigantesco, principalmente se considerarmos aqui os torcedores com menos de 16 anos de idade, que, se não consomem diretamente, representarão um poderoso alavancador de visitas.

Ricardo comentou o exemplo do Barcelona. O Camp Nou recebe 1,5 milhão de visitantes a cada ano, turistas que não se contentam em pagar o ingresso, mas também consomem nas lojas e restaurantes. A meta para o Flamengo é atingir 1 milhão de visitantes por ano. Se cada um tiver um ticket médio de 20 reais, o líquido a receber pelo clube já será apreciável sobre uma receita bruta de 20 milhões de reais. Mas, bem sabemos, turista sempre gasta um bocado ou um bocadinho a mais, e o ticket médio na faixa de 20 reais parece bastante conservador.

Desse complexo, a loja está operando a todo vapor, o museu está em obras e o restaurante temático, que terá área de 700 metros quadrados é o próximo passo. Como disse mais atrás, há coisas que demandam tempo para maturar e tempo para se tornarem realidade.

O título e a boa campanha das últimas semanas alavancaram o programa Cidadão Rubronegro. Li e ouvi críticas a esse programa, sobretudo por não dar desconto em ingressos. Questionei o diretor de marketing sobre isso e ele disse que seria um erro, seria jogar contra o próprio time. Programas desse tipo, de sócio-torcedor, com direito a descontos em ingressos, são ótimos, sem dúvida, e extremamente adequados a muitos clubes. Mas para o Flamengo não são interessantes, considerando o público médio de 40.000 torcedores por jogo. Justamente por isso, o foco do Cidadão RN é o relacionamento com o torcedor, oferecendo comodidade e facilidade para a compra de ingressos.

Com sessenta dias de vida, o Cidadão RN já conta com mais de 70.000 associados e a meta é atingir 100.000 até janeiro. Dado o tipo de programa, seu amadurecimento é mais lento, mas tudo indica que seu participante será bastante fiel. Sobre essa base de clientes/torcedores, o clube poderá trabalhar com promoções diversas com empresas de todo tipo, criando nova fonte de receitas. Tinha dito lá atrás que voltaria ao tema sócio-torcedor, o que fiz agora e espero ter explicado, mesmo que superficialmente, que cada clube deve procurar seu próprio programa. O que é bom para o Internacional, por exemplo, não é, necessariamente, bom para o São Paulo ou para o Cruzeiro ou para o Flamengo.

O Flamengo começa a nova administração com outros programas operando, como a agência de viagens. Com a participação na Copa Libertadores, o faturamento deverá crescer. Observação: esse é um programa útil e interessante, não só para o Flamengo, mas o torcedor não deve esperar grandes números com ele, pois as margens são apertadas.

Em 2007 o marketing trouxe cerca de 20 milhões de reais para o Flamengo. Nesse 2009, o valor dobrou, para cerca de 40 milhões. Já em 2010, o volume mínimo da Olympikus, na ordem de 22 milhões, será ultrapassado, e a expectativa é uma receita de marketing ao redor de 80 milhões de reais em dois anos, pelas metas traçadas pelo departamento.

Como já é mais que sabido e não vou bater nessa tecla, agora, a situação do Flamengo nada tem de confortável. Patrícia Amorim vai assumir um clube de difícil administração, talvez menos difícil se os “fantasmas do passado” que tanto assustaram e prejudicaram Kleber Leite, já tiverem sido realmente identificados. A marca Flamengo é uma poderosa geradora de receitas, mas estas não caem do ceu, simplesmente, precisam ser trabalhadas tanto dentro como, sobretudo, fora do campo.

Nesse momento em que escrevo tudo indica que a direção do marketing está sendo mudada, motivada, pelo que sei – e o Ricardo não quis comentar a respeito (elegância que respeito, mas forçou-me a procurar algumas informações com outras fontes) – pelas diferenças de pensamento entre o pessoal dos esportes amadores e o futebol.

Certamente, entre outros motivos, os acontecimentos que cercaram o basquete nesse ano parecem dar razão a esses críticos. Num clube como o Flamengo, entretanto, ou sobretudo, muitas vezes o gestor, seja da instituição, seja de uma área, precisa concentrar todos seus esforços no negócio principal, aquele que garante a integridade e a continuidade da empresa, da instituição. Some-se a isso querelas políticas internas e tem-se um cenário não muito agradável.

Disse lá atrás para ler e reservar quando falei de tempos de maturação para os projetos de marketing, bem como sobre a mentalidade de marketing. Pois bem, como alguém que acompanha a situação há alguns anos de fora, sou de opinião que não é a melhor política mexer nessa área. Não que pessoas não sejam substituíveis, bem sabemos que são, que somos, mas não acho acertado fazer mudanças numa área tão estratégica, com muitos trabalhos em andamento em diversos estágios, por motivos puramente políticos.

A nova presidente acertou na manutenção do vice-presidente de futebol. Poderia acertar, também, na manutenção de quem vem dando resultado. Em time que está ganhando mexe-se, sim, mas pelos motivos corretos.

Enfim, esses últimos anos foram interessantes e também didáticos, para quem gosta de acompanhar marketing no futebol. Agora é esperar por 2010 e ver como será o ano do atual Campeão Brasileiro, que tem tudo para ser brilhante, dentro e fora do campo.

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Queremos agradecer ao EMERSON GONCALVES, que gentilmente nos autorizou a reproduzir essa brilhante materia da sua coluna "Olhar Cronico Esportivo" do Globo.com