O Maracanã lotado e no campo duas equipes em luta. Na arquibancada, uma torcida vibrando. Chorando com o gol adversário, vibrando e fazendo o estádio virar uma cascata de alegria no sucesso de sua equipe. É que no gramado uma camisa está jogando. Correndo, lutando, saltando, ela é a única camisa em torno da qual existe uma mística: joga sozinha. É a camisa do Flamengo, desejada, por tantos, que se transforma em padrão de glória para quem a veste. Mesmo depois do advento do profissionalismo, vestir a camisa rubro-negra da Gávea continuou sendo um orgulho para qualquer profissional. É a camisa que impulsiona e exige do atleta sua devoção maior. É a camisa da paixão do torcedor, que leva dentro de suas cores a vibração e a flama do amor rubro-negro. Entre tantas recordações que os profissionais lembram de suas carreiras, nada mais significativo do que Uma frase famosa de Biguá; símbolo do jogador flamenguista, ao resumir sua glória maior de craque de futebol: Eu vesti a camisa do Flamengo!
.......................A cabeçada de Valido
Quando o argentino Agustin Valido deixou Buenos Aires, para a aventura de integrar o combinado Beccar Varela, jamais poderia imaginar que depois dessa excursão ficaria definitivamente radicado no Brasil e com o seu nome inscrito para sempre no futebol carioca e no coração da massa de torcedores rubro-negros. Ingressou no Flamengo em 1937 e foi titular absoluto até o bicampeonato de 1942. Era ponteiro-direito e sua principal característica o pique, para o chute forte e certeiro na conclusão. Mas jogou também como meia-direita e até se sagrou campeão carioca nessa posição, em 1939, formando ala com Sá e tendo como demais companheiros de ataque Leônidas (Caxambu na reserva), Gonzalez e Jarbas (Orsi na reserva). Depois, porém, na sua verdadeira posição de extrema-direita, integrou um dos maiores ataques que o Flamengo já formou até hoje: Valido, Zizinho, Pirilo, Perácio e Vevé. Foi campeão de 1942 e bicampeão em 43, neste ano já cedendo o posto em muitos jogos para Jaci.
Sentindo o peso da idade, Agustin Valido foi tratar de negócios. Descalçou as chuteiras e montou uma tipografia. Mas seus companheiros prosseguiram na luta pelo primeiro tricampeonato. E eis que o titular da posição, Jaci, que o substituíra, de repente ficou contundido e completamente sem condições para disputar os dois últimos jogos. Valido estava há quase um ano sem jogar. Casara-se recentemente e a idéia fixa do técnico Flávio Costa obrigou-o a interromper por alguns dias a lua-de-mel. Valido resistiu muito, mas as circunstâncias exigiam o sacrifício do veterano craque já aposentado e êle acabou cedendo. Treinou uma semana para disputar um Fla x Flu sensacional. O Flamengo venceu e êle passou a ter febre diariamente, em consequência do esforço tremendo que fora obrigado a fazer, depois de parado há tanto tempo. Mas a obstinação de Flávio Costa o convenceu a jogar a final: Flamengo x Vasco da Gama. Se você ficar bem aberto na ponta-direita, Valido, o Argemiro terá que permanecer tomando conta e não poderá socorrer tanto os seus companheiros de defesa, repetia-lhe o técnico, a todo instante. Afinal, Valido não hesitou em jogar a cartada final. Seguiu à risca as instruções de Flávio e o marcador era de 0x0, quando, faltando três minutos, Vevé centrou da ponta-esquerda e Valido ainda encontrou forças para saltar e testar a bola inapelàvelmente para o fundo das redes. O salto e a cabeçada valeram o primeiro tricampeonato do Flamengo. Depois disso, durante muitos e muitos anos, se discutiu se Valido teria ou não se apoiado no ombro de Argemiro para o salto e a cabeçada. Enquanto isso, êle guardava as chuteiras mais famosas ainda e voltava aos negócios, depois trocando tipografia por importação e venda de madeira do Paraná, tornando-se o próspero comerciante dos dias de hoje. O Gringo, casado com uma brasileira e pai de duas filhas brasileiras, é Carioca Honorário desde 1964, título este que lhe foi muito bem conferido por O GLOBO.