Salve, Buteco! Olha ela aí! A Copa Intercontinental (ou Copa Europeia/Sul-Americana) está de volta trazendo consigo o inevitável debate sobre "se é ou não Mundial". E como o debate só ganhou relevo porque o campeão da Libertadores/2025 é o Flamengo, o clubismo impera em uma significativa parte das análises que circulam pelas redes.
Para começar a conversar a respeito desse assunto, acho importante falar um pouquinho sobre uma das minhas musas prediletas, a velha Intercontinental e o seu enorme peso esportivo.
Tudo se inicia a partir do seu caráter oficial. Sim, oficial, eis que era uma competição promovida por duas entidades, a Confederação Sul-Americana de Futebol ou CONMEBOL e a União das Associações Europeias de Futebol - UEFA.
Neste tópico, uma imagem vale mais do que mil palavras:
Competição oficial, como se pode ver. Logo, a oficialidade dessa antiga competição é a primeira caracterísitica que a define como um Mundial, eis que, quando de sua criação, as demais confederações (CONCACAF, CAF, AFC e OFC) sequer haviam sido instituídas ou não apresentavam competitividade mínima para enfrentar o futebol sul-americano e o europeu.
Criou-se, enfim, uma competição intecontinental oficial para clubes das duas entidades que efetivamente tinham competitividade esportiva para disputar e conquistar uma Copa do Mundo.
Mundial, portanto.
Por sinal, há tempos a FIFA reconheceu a antiga Intercontinental como Mundial de Clubes e esses títulos, já há alguns anos, são oficialmente (novamente a palavrinha) reconhecidos pela entidade como sendo da categoria Mundial de Clubes ou Interclubes.
Ainda assim, apresentarei a seguir duas provas do peso esportivo da Velha Intercontinental e de sua autenticidade substancial como competição equivalente a um Mundial de Clubes, comprovando o que acabei de firmar logo acima.
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A primeira delas é o desempenho dos clubes da CONCACAF na antiga Copa Interamericana, disputada entre os campeões da Libertadores e da Conca Champions entre os anos de 1969 e 1998, muito embora com muitas interrupções (anos nos quais não foi disputada).
No total de 18 edições, os clubes da CONCACAF só venceram 4 delas, sendo 3 vezes pelos mexicanos - América (2 vezes) e Pumas. O outro a conquistar o título foi o norte-americano DC United, que venceu o Vasco da Gama, único brasileiro na História a disputar a competição (risos liberados).
Logo, historicamente, sempre foi exceção a prevalência da CONCACAF sobre a CONMEBOL no confronto direto.
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Minha segunda prova é o desempenho de todas as outras confederações no Mundial da FIFA, que sucedeu a velha Intercontinental, porém ampliando a competição com a inclusão das demais confederações - CAF, AFC, OFC e CONCACAF.
Num total de 20 edições, os representantes da CONMEBOL e da UEFA só não decidiram entre si em 6 ocasiões:
2010 - Internazionale 3x0 Mazembe (CAF/Congo)
2013 - Bayern de Munique 2x0 Raja Casablanca (CAF/Marrocos)
2016 - Real Madrid 4x2 (prorr.) Kashima Antlers (Japão/país sede, vinculado à AFC)
2018 - Real Madrid 4x1 Al Ain (AFC/Emirados Árabes Unidos)
2020 - Bayern de Munique 1x0 Tigres UANL (CONCACAF/México)
2022 - Real Madrid 5x3 Al-Hilal (AFC/Arábia Saudita)
Alguém dirá que, como a UEFA e a CONMEBOL tinham vagas cativas na semifinal, conforme sorteio realizado antes da competição na montagem das chaves da tabela, essa regra deixava as demais confederações em nítida posição de desvantagem.
Observem que, na prática, a discussão é pouco relevante em relação aos europeus, que jamais perderam uma disputa na semifinal e conquistaram a expressiva maioria dos titulos nas finais. A questão está nos confrontos entre a CONMEBOL e as demais confederações.
O histórico da competição mostra que, a partir de 2016, na definição do rival do representante da UEFA na final do Mundial, as outras confederações revezaram entre si, porém alternando ano a ano com a CONMEBOL. É perceptível a evolução do futebol no âmbito das demais confederações, apesar de os números globais não assegurarem que já conseguiram alcançar o patamar da CONMEBOL.
Ainda que a distância não mais exista, o que sempre definiu os confrontos foram a qualidade e a competitividade e não a vaga cativa em uma das semifinais. Afinal de contas, foram 14 vitórias em 20 cruzamentos, como expus mais acima. Números incontestáveis, na minha singela opinião, em que pese a inegável evolução das demais confederações.
Tanto é verdade, que também foram representantes da CONMEBOL os únicos a furar a hegemonia dos clubes da UEFA nas finais do Mundial de Clubes - o São Paulo em 2005, o Internacional em 2006 e o Corinthians em 2012.
Portanto, a objetividade dos números inegavelmente reforça o peso e autenticidade da Velha Intercontinental, disputada apenas entre CONMEBOL e UEFA, como Mundial de Clubes antes da assunção da competição pela FIFA.
A seu turno, a participação das demais confederações a partir do Século XXI e sua evolução de dez anos para cá apenas fortaleceu a competição, definindo seu caráter mundial.
A compreensão desse contexto será importante na avaliação do peso da recém-criada Copa Intercontinental da FIFA.
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Um breve parêntesis.
Vocês sabem como eu valorizo essas competições internacionais e uma das maiores dores que já senti como torcedor do Flamengo foi a derrota para o Al-Hilal (2x3) na semifinal do Mundial de Clubes/2022, disputado em 2023 por conta da realização da Copa do Mundo de Seleções no Catar no final de 2022. Vale lembrar que não era o Al-Hilal do Mister Jorge Jesus, recordista do Guiness e etc., mas uma equipe comandada pelo bravíssimo Ramón Díaz (com todo o respeito).
Minha absoluta indignação foi expressada no post Internacionalização da Marca, publicado dois dias depois, com Jason e tudo. Definitivamente, a era paquidérmica do nosso Departamento de Futebol não deixou saudades.
Essa derrota, não tenho dúvidas, até porque não acredito em coincidências, foi a gota d'água para a FIFA "rebaixar" a CONMEBOL e retirar a vaga cativa da entidade, que passou a disputar o Mundial em pé de igualdade com todas as outras, à exceção da UEFA, que manteve o privilégio da vaga cativa no mais recente formato.
Parêntesis fechado.
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O Mundial de Clubes remodelado na primeira década do Século XXI, do qual extraí os números que expus mais acima, inegavalmente representou um torneio mais democrático e inclusivo.
Nada mais justo, pois é a partir da competição direta com os mais fortes que quem está em desenvolvimento tem mais chances de evoluir. Logo, se criticamos competições como a Liga das Nações da UEFA, que isola as seleções europeias e evita os confrontos diretos com a América do Sul, a mesma lógica deve prevalecer em relação às demais confederações.
Todavia, depois de 20 edições, em 2023 a FIFA resolveu implodir esse modelo e, para além de criar a Copa do Mundo de Clubes em formato idêntico ao das Copas do Mundo de Seleções, remodelou o seu Mundial anual, batizando-o de Copa Intercontinental, ainda que mantendo o formato ampliado do Mundial de Clubes.
Ou seja, apesar do nome Intercontinental, as demais confederações continuam a participar, mas a partir de agora em pé de igualdade com a CONMEBOL. A vaga cativa, dessa vez na final, continuará tão-somente com a UEFA.
Nessa nova diagramação, a AFC, a CAF e a OFC se enfrentam em um lado da chave, ao passo que a CONMEBOL e a CONCACAF se cruzam em outro, neste último caso equivalendo à volta da também antiga Copa Interamericana, porém com um nome diferente. O confronto do lado oriental recebeu o nome de Copa África-Ásia-Pacífico, enquanto a Velha Interamericana (CONMEBOL x CONCACAF) foi rebatizada de Derby das Américas.
Os vencedores desses confrontos disputarão, numa fase batizada de Copa Challenger (poderiam ter feito bem melhor na escolha do nome), o direito de enfrentar o representante da UEFA na final da Copa Intercontinental da FIFA.
Em 2025, o vencedor da Copa África-Ásia-Pacífico já foi definido e é o Pyramids do Egito (CAF), que bateu o Auckland City (OFC) da Nova Zelândia por 3x0 e o Al-Ahli da Arábia Saudita (AFC) por 3x1, ao passo que o Derby das Américas será disputado entre Flamengo, campeão da Libertadores/2025, e o campeão da Conca Champions, o Cruz Azul do México.
Surge então a pergunta: diante da Copa do Mundo de Clubes, a Copa Intercontinental da FIFA, sucessora do Mundial de Clubes disputado a partir da primeira década do Século XXI, pode ser considerada como um Mundial de Clubes?
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Não existe nenhum sentido em negar o patamar de "Mundial" a uma competição a qual, ainda que com algumas mudanças de formato, sempre foi tratada anualmente como tal, desde o longínquo ano de 1960. Trata-se, portanto, de nada menos do que 63 anos de tradição (!), que não podem simplesmente ser ignorados ou jogados no lixo, de um dia para o outro.
É claro que, adotada essa premissa, precisamos resolver o dilema da evidente hierarquia que se estabeleceu entre coexistência desta competição com a Copa do Mundo de Clubes, a ser disputada quadrienalmente por muito mais equipes e cuja primeira edição ocorreu no corrente ano de 2025, tendo sido conquistada pelo Chelsea, da Inglaterra.
No futebol, acredito que não exista qualquer paralelo que sirva como referência para essa comparação; contudo, se ampliarmos a busca para outros esportes, encontraremos o paradigma no voleibol, segundo esporte de preferência nacional no Brasil.
A Federação Internacional de Voleibol, em 1990, criou uma competição anual denominada Liga Mundial de Voleibol (replicada em 1993 no feminino com o nome de Grand Prix), que foi disputada até o ano de 2017, quando foi sucedida pela Liga das Nações de Voleibol Masculino, disputada, também anualmente, desde 2018 até os dias de hoje.
É interessante observarmos pelo menos um ponto de interseção com o primeiro sistema de disputa da Velha Intercontinental e, também, com o da antiga Interamericana. É que os jogos da fase classificatória da antiga Liga Mundial de Voleibol (e do Grand Prix) eram disputados nos diversos países das seleções participantes, tal como ocorria no sistema de ida e volta das Velhotas do Futebol. A disputa da Liga Mundial/Grand Prix em um só país-sede ocorria apenas na fase final.
Mas não nos prendamos muito a detalhes irrelevantes para os debates de hoje, já que o sistema de disputa não é o ponto a ser destacado nessa analogia, e sim o fato de que a competição sempre foi anual, tal qual o Mundial de Clubes da FIFA, e coexistiu harmonicamente com uma competição de hierarquia superior, chamada de Jogos Olímpicos ou Olimpíadas, disputada a cada quatro anos, tal qual ocorrerá com a novata Copa do Mundo de Clubes.
É fácil perceber a semelhança, concordam?
Ninguém deixou de ser campeão mundial ao vencer a Liga Mundial de Voleibol, o Grand Prix ou a Liga das Nações de Voleibol, mas todo mundo considera a medalha de ouro olímpica, disputada a cada quatro anos, esportivamente mais relevante ou de hierarquia esportiva superior.
Penso que a mesma relação deve se estabelecer entre a Nova Copa Intercontinental (anual) e a Copa do Mundo de Clubes da FIFA (quadrienal). Ou seja, quem já foi campeão do mundo continua sendo e quem vencer a Intercontinental da FIFA da mesma forma o será.
Por sua vez, a contagem da Copa do Mundo de Clubes, competição de hierarquia superior, quadrienal e que começou apenas em 2025, é completamente nova e deve seguir de maneira autônoma a da tradicional competição mundial anual, anualmente existente desde 1960.
A lógica desse raciocínio, então, já foi explicada, mas existe pelo menos um motivo de ordem pragmática que os não europeus deveriam observar.
Com efeito, é importante lembrar que, no contexto atual do futebol mundial, completamente diferente do existente até o advento da Lei Bosman (vide O Mundial de Clubes - 4ª Parte - A Lei Bosman, o Fim da Intercontinental e o Mundial de Clubes da FIFA), as chances dos clubes não europeus conquistarem o título da Copa do Mundo de Clubes não são grandes, já que, como pudemos constatar nesta edição inaugural, a tendência é de, à medida em que se avança na competição, enfrentar mais de um clube europeu no caminho, aumentando exponencialmente as chances de eliminação.
Já no âmbito da Intercontinental, em que há apenas um confronto entre europeu e não europeu, na teoria tudo é possível num único jogo final de 90/120 minutos, ou até com cobranças de pênaltis. É inegável que, neste cenário, as chances dos não europeus são sensivelmente maiores, ainda que, hoje em dia, não cheguem a ser tão grandes.
Então, finalizando, penso que a Copa Intercontinental da FIFA é Mundial sim, Amigos, como sempre foi, anualmente, com outros nomes, desde 1960. Só não é do tamanho da novata Copa do Mundo de Clubes, precisamos reconhecer.
Contudo, dada a expressividade e a tradição da velha e tradicionalíssima competição, quem realmente se importa com isso?
O fato do Flamengo disputar a Copa Intercontinental da FIFA em 2025 certamente levará o debate para o lado emocional por parte de muitas pessoas. O tempo, contudo, haverá de trazer a razão, até porque, para quem não é europeu, ainda mais nos dias de hoje, não interessa muito desprezar uma valorosa e bela História de 63 anos.
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As memórias da derrota para o Al-Hilal ainda são dolorosas e, para exorcisarmos esse fantasma, será necessário antes vencer a Velha Copa Interamericana, hoje rebatizada de Derby das Américas.
Mas sobre o Cruz Azul e o futebol mexicano eu vou deixar para falar depois de sábado, após o fechamento do Campeonato Brasileiro pelos meninos do sub-20 (e eventuais agregados) comandados por Bruno Piveti, no jogo contra o Mirassol, no Estádio José Maria de Campos Maia ou "Maião", em Mirassol/SP.
Dado o esvaziamento do jogo, não vejo motivos para publicar o Esquenta e esse post só será sucedido pelo Ficha Técnica, que subirá por volta das 17:30h de amanhã.
Tenham uma sexta-feira abençoada.
A palavra está com vocês.
Bom dia e SRN a tod@s.
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