
Salve, Buteco! Essa é a minha foto favorita do nosso Ninho do Urubu, por captar, sob um ângulo de vista panorâmica, a bucólica paisagem do bairro de Vargem Grande, no Rio de Janeiro. A área de vegetação que aparece ao fundo é um resquício de Mata Atlântica, a qual, pelo que entendi, é contígua ao Parque Estadual da Pedra Branca, unidade de conservação ambiental situada na Zona Oeste do município.
O local é absolutamente perfeito para um ambiente profissional harmônico e pacífico, por propiciar um encontro com a natureza e o isolamento do caos urbano carioca. Inspirado nestas referências, o Reflexões de hoje tentará analisar, por tópicos, o atual momento do Departamento de Futebol do Clube de Regatas do Flamengo sob uma perspectiva "mindfulness" (mente esvaziada), ou seja, sem se apegar a ideias pré-concebidas ou afetos exagerados.
Como se isso fosse possível em se tratando de futebol e do clube de maior torcida do mundo...
Mas eu pelo menos vou tentar.
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Acredito que a maioria das pessoas, se tivesse que escrever um texto com esse enredo, começaria pelo treinador, pois é da cultura do futebol brasileiro responsabilizá-lo quando as coisas não dão certo dentro das quatro linhas. Trocar de treinador, no futebol brasileiro, é como beijar em micareta. A roda gira no frenezi do carnaval fora de época.
Só que eu resolvi começar pelo diretor técnico, pois o Flamengo, em 2025, claramente mudou os rumos do Departamento de Futebol. "Profissionalismo" é a palavra da vez. Um tanto abrangente, convenhamos, já que abrante tanto filosofia de jogo, dentro das quatro linhas, como metodologias ou processos de trabalho em todo o setor.
Ocorre que o vocábulo, por alguns breves meses, passou a ser sinônimo de cortina de fumaça, para ser bem eufêmico nas palavras, a começar quando José Boto foi tudo, menos profissional no tratamento, com a imprensa, do episódio Pedro Guilherme. E tudo piorou no "De la Cruz gate", que resultou na demissão do boquirroto chefe do setor médico.
Há males que vêm para o bem, diz o sábio ditado popular...
Boto resistiu bravamente ao ataque das piracatingas alucinadas, e acabou, depois do "Mikey Johnston gate", por fazer aceitável janela, que encorpou significativamente o elenco. Já as recorrentes fofocas no Departamento Médico esvairam-se na placidez japonesa do novo chefe do setor (ou pelo menos, atualmente, a maior autoridade do setor).
Ocorre que o Clube de Regatas do Flamengo tem uma paixão tórrida e interminável com a Crise. Um não consegue viver sem o outro. Nas profundezas da Data FIFA, o português precisa mostrar serviço. Algo saiu dos trilhos depois dos 8x0 sobre o Vitória.
As providências precisam começar a ser tomadas pela maior autoridade do Futebol, agora um profissional executivo (ex-amadorismo). Afinal de contas, essa é a nova estrutura do Departamento de Futebol do Mais Querido do Brasil (e do Mundo).
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Costumo enxergar futebol a partir de dois enfoques que normalmente não são valorizados pela imensa maioria da torcida. Sou defensor convicto de treinadores e, como se isso já não fosse suficiente em uma torcida que tem ódio estrutural por treinadores (no menor sinal de crise de resultados), ainda sou "calendarista", um amante da contextualização a partir do calendário.
Acho que isso pode ser bastante irritante para quem dialoga comigo e, como acho que muito provavelmente irritarei alguns de vocês nas linhas que escreverei a seguir, apresso-me em, antecipadamente, agradecer penhoradamente pela "audiência" e pela paciência que generosamente vocês me oferecem nesses longos anos de convivência.
Mas acalmem-se, por favor. Não vou santificar o nosso treinador. Sequer o chamarei de ídolo, pois sei que há, entre vocês, os que questionam severamente esse título. Melhor ainda, começarei pelos defeitos ou, pelo menos, pelo que acho que são defeitos e limitações do nosso SuperFili.
Como todo treinador novato, estagiário ou "trainee", Filipe tem suas inseguranças, as quais, na minha visão, são naturais e se manifestam por via de algumas escolhas e preferências inflexíveis. Encontrei num tuite do meu amigo @patrick_1972 que considero uma descrição muito precisa do problema:
O Filipe é DISPARADO o melhor treinador que o Flamengo pode ter. Natural errar por estar iniciando. No livro do Ancelotti ele conta que no começo era preso a um modelo e chegou a recusar craques até aprender a se adaptar aos jogadores. Cabe à direção ajudar a antecipar o processo
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Em resposta a @patrick_1972
Não seria melhor trocar o técnico?
Já disse a vocês algumas vezes que o futebol de hoje "é dos treinadores" e cada vez mais "tático". Houve uma transferência de poder dos atletas para os jogadores, em menor escala no futebol europeu e em países com menos tradição em possuir grandes individualidades, mas certamente em muito maior escala no futebol sul-americano e, especialmente, no Brasil.
Comparei, poucos parágrafos atrás, a frequência de troca de treinadores no Brasil a beijar em um carnaval fora de época (cada hora é uma diferente) e acredito piamente que se cuida de um resquício dos tempos nos quais os entregadores de coletes não eram, salvo honrosas exceções, nada mais do que a descontraída expressão sugere.
São infindáveis os relatos, no futebol brasileiro, de jogadores ignorando o treinador e resolvendo dentro de campo. Desde o Feola dormindo no banco de reservas nos jogos da Seleção Brasileira até as estruturais derrubadas de treinadores, passando, é claro, pelo efeito vassoura nova do grupo "fechando" com o mais novo entregador, de coletes e esperanças (muitas vezes vãs).
No recente Flamengo mesmo tivemos os exemplos de Renato Gaúcho e Dorival Junior sucedendo professores professorais (com o perdão pelo pleonasmo), o primeiro quase vitorioso e o segundo exuberamentemente bem sucedido. Ocorre que o tempo desse perfil de treinador está nostalgicamente se esvaindo.
Os novos professores (Ceni, Carpini, os jovens gringos) têm um perfil bem diferente. Renato, Dorival e Cuca talvez sejam os últimos dos moicanos. Esse tipo de treinador é perfeito para o efeito vassoura nova, mas sempre apresentou limitações para estruturar um trabalho a longo ou até a médio prazo.
O ponto é (percebam) que o debate medalhão x professor tático (jovem ou experiente) vem se tornando cada vez mais bizantino. Estamos assistindo ao melancólico processo de extinção dos treinadores da velha guarda, cujo espaço vem sendo ocupado, em proporção cada vez maior, pelos estudiosos da tática, influenciados por referências como Pep Guardiola, Jürgen Klopp e outros bem cotados.
Arrisco dizer que será cada vez mais difícil trocar de treinador. Sabem aquela expressão "everything is conneceted"? Diretor técnico, modelo de jogo, perfil do treinador, scouting, mapeamento de mercado e reforços começam a formar mais do que um padrão, mas processos estruturados de maneira tão conectada que passará a ser inviável simplesmente romper com tudo e partir para uma nova direção no meio de uma temporada.
Bem, Amigos, isso é o que eu penso que acontecerá e não o que eu gostaria que acontecesse. Minha preferência, saudosa e nostálgica, é pelo futebol que vivi nas décadas de 70 e 80. Brasileiro, principalmente, mas também dos mais técnicos (sem prejuízo de táticos) sul-americanos e europeus.
Só que o vencer, vencer, vencer exige adaptação constante aos novos rumos do futebol. No futebol dos treinadores, o Clube de Regatas do Flamengo precisará deixar a adolescência tardia e amadurecer. Renunciar ao modelo micareta e começar a trabalhar sério, ingressando com os dois pés na fase adulta.
E o SuperFili nesse processo? Como fica?
Deixem-me irritar vocês só mais um pouquinho.
Eu concordo com o Patrick, lá em cima. Não vejo treinador melhor para o Flamengo, já que ele tem uma espécie de "efeito teflon" que amortece o ódio estrutural rubro-negro, dirigido a qualquer treinador quando os resultados são indesejáveis.
Ocorre que é bastante comum que uma mudança de cultura, e de paradigma, seja conflituosa, às vezes até dolorosa. Conflituosa eu acho que já está sendo. Espero que não venha a ser, também, dolorosa.
Muita coisa se definirá a partir da sequência Botafogo, Palmeiras e Racing. SuperFili está tendo, a seu dispor, algo que nenhum dos seus predecessores teve a graça de conseguir: elenco completíssimo para treinar em Data FIFA.
É hora dele, e do diretor técnico, mostrarem comando, liderança e competência. Não tenho dúvida de que SuperFili terminará o ano treinador do Flamengo, o que representará, sem dúvida, um avanço na direção da vida adulta em nível de gestão de futebol.
O pleno amadurecimento, porém, só chegará quando o clube conseguir emplacar um processo de longo prazo. Não sei se será com José Boto e Filipe. Torço para que seja, mas no frigir dos ovos, o que definirá será, como sempre, o vencer, vencer, vencer (uma vez Flamengo, Flamengo até morrer).
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Como eu já escrevi demais, encerrarei esse texto com uma imagem que vale mais do que mil palavras.
Tenho a esperança de que o futebol brasileiro encontre o caminho da conciliação entre o improviso, o talento e a arte com o futebol tático dos treinadores.
No fundo, quem resolverá será sempre os jogadores, dentro das quatro linhas, os quais jamais deverão deixar de ser cobrados e responsabilizados, quando preciso.
Ali era só encobrir, né, Samuca?
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A palavra está com vocês.
Bom FDS e SRN a tod@s.