Salve, Buteco! Existe ou pode existir Flamengo sem caos? Talvez seja impossível. A turbulência está no DNA do clube e em geral quem o vive, seja por amor, ódio ou profissão, parece não conseguir se desprender dessa característica inata. Como li em um tuite no dia 24 de uma torcedora rubro-negra, o Twitter virou uma "praça de guerra" por conta do termo utilizado em uma referência feita pelo presidente Bap a uma jornalista do canal Sportv.
Antes de abordar o que eu realmente acho importante no episódio, gostaria de deixar claro que, na minha opinião, o termo utilizado e a forma com que foi utilizado passa longe de qualquer resquício de misoginia. O grande problema é que qualquer ofensa, insulto ou algo que o valha (caso da palavra usada), quando dirigido a uma mulher, querendo ou não abre a possibilidade de surgirem ataques que, estes sim, constituem a expressão cristalina da misoginia.
Eu não teria me valido da expressão, primeiro porque foi um insulto e o presidente já mostrou que sabe muito bem ser polido e ponderado. Segundo, porque não gostaria de correr esse risco. Aliás, no ponto, a própria reação (corporativa) de vários colegas de profissão ilustra a complexidade do problema: como o presidente Bap não mencionou o nome da jornalista, todas as manifestações de repúdio contra o presidente (e contra o clube) e também as de apoio à jornalista acabaram por, tragicamente, torná-la mais conhecida, assim como o episódio, por conta de uma característica física pessoal, já que todas a identificaram pelo nome.
Não me admira que a profissional esteja até agora em silêncio sobre tudo o que se passou.
Agora eu vou dividir com vocês o que realmente acho importante no episódio.
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A maneira pela qual jornalistas esportivos tratam o Flamengo é um tema que me é muito caro. Não foram poucas vezes que externei o meu completo repúdio ao jornalista rubro-negro que é mais severo nas análises sobre o clube para demonstrar isenção, seja por insegurança, seja para ficar bem com os colegas de profissão ou mesmo com os patrões.
Outra vertente que me incomoda muito é a do jornalista torcedor de outros clubes que não consegue ser isento nas análises que envolvam o Flamengo e destila ódio como se estivesse agindo como profissional isento e não como um torcedor blindado pela "carteirada" de jornalista profissional.
Eu jamais enxerguei a Renata Mendonça como uma integrante dessa segunda categoria, dado que ela evidentemente não torce para o Flamengo. Muito pelo contrário, nas análises tanto em transmissões, quanto em mesas redondas, eu sempre a vi como uma descendente da mais nobre categoria de jornalistas "não rubro-negros", aqueles que conseguem avaliar os fatos sem qualquer contaminação oriunda de suas preferências clubísticas pessoais.
Para ficar nos comentaristas, sempre admirei profissionais como os saudosos Luiz Mendes (o comentarista da palavra fácil), Achilles Chirol, Sérgio Noronha (Seu Nonô) e Antero Greco. Nos dias de hoje, gosto das análises de Tostão, Vitor Birner, Mauro Betting e Lédio Carmona.
Observem, então, como eu admiro profissionalmente a Renata Mendonça...
Contudo, ao que parece, o tema futebol feminino e o tratamento que lhe é dado no Brasil parece despertar nela um sentimento de indignação que muitas vezes a faz perder a serenidade que demonstra em outros assuntos. Longe de condená-la, apresso-me em ressalvar que o entendo ser inteiramente justificável, o que, contudo, não deve impedir que eventuais injustiças sejam apontadas quando ocorrerem na manifestação desse sentimento de indignação.
O problema da crítica feita pela Renata às instalações do futebol feminino do Flamengo é que parte de um recorte contextual desinformativo e um tanto arbitrário, a começar por não explicar, e nem muito menos dar a devida ênfase, a uma premissa importante: a indisponibilidade momentânea tanto das instalações da Marinha, quando do Ninho do Urubu, eis que ambas passam por reformas.
Portanto, a utilização das instalações do CFZ é transitória, informação contextual, insisto, muito importante, a qual quem assiste à reportagem e aos comentários a respeito dela, feitos pela própria jornalista, não acessa sem tomar a iniciativa de buscar informações mais aprofundadas sobre o assunto navegando na Internet.
Daí advém um segundo problema, que é a retirada do público alvo da reportagem a capacidade de avaliar se é razoável as profissionais do futebol feminino do Flamengo usarem as instalações do CFZ pelo período transitório, cuja duração sequer foi especulada (mais uma lacuna informativa).
Outro problema da reportagem é a falta de contextualização em relação às instalações de outros clubes, o que permitiria a quem a assistiu, e aos comentários feitos a respeito dela pela própria jornalista, avaliar se o Flamengo oferece hoje condições de trabalho inferiores as que os seus aversários em relação as suas respectivas profissionais.
Dentro deste último tópico reside outro um tanto delicado, muito bem resumido no seguinte tuite da jornalista espanhola Virtudes Sánchez:
Então, além de publicizarem e "colarem" o que chamaram de grave ofensa misógina à vítima, muitos de seus defensores parecem ter apenas defendido a empregadora que, ao que parece, investe muito menos do que poderia e deveria no futebol feminino.
O público, manipulado, teve sua capacidade de analisar o contexto bastante reduzida e ficou muito complicado para qualquer pessoa minimamente isenta avaliar se o Flamengo investe mesmo menos do que deve (e até possível que o faça) e se o quanto a emissora empregadora investe tem alguma relação causal com esse fato.
Como se vê, a indignação, por mais justa que seja, muitas vezes pode agredir a razão e a justiça, além de surtir efeitos totalmente contrários aos que almejava.
No final das contas, eu espero que o lamentável episódio, com todas as suas nuances, não retire a "minutagem" da Renata nos jogos e mesas redondas que envolvam assuntos do Flamengo, aumentando a de "profissionais" que, estes sim, são cristalinamente "anti-Flamengo".
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Em prestígio ao jornalismo esportivo feminino, gostaria de abordar o segundo tema polêmico que escolhi neste final de ano com um oportuno e sagaz tuite da jornalista Raisa Simplício:
Com a ressalva de que qualquer notícia, de qualquer jornalista que tenha eventualmente perdido espaço conquistado na gestão passada, precisa ser lida com prudência, é possível constatar que o nosso diretor técnico, em sua passagem por Portugal durante as Festas de final de ano, já disse que Filipe Luís deveria permancer no Flamengo por 1 ano (apenas 1 ano), criticou a torcida do Flamengo pelas cobranças que, na sua visão, dificultam contratações de menor impacto, e ainda se ofereceu por diversas vezes ao mercado europeu, tendo agora estipulado inclusive um prazo terminal: dezembro/2026.
Sem que sua permanência tenha sido oficialmente confirmada e muito menos explicadas importantes condições como a multa rescisória contratual, o torcedor tem todo o direito de torcer o nariz, até porque o dublê de Cetáceo e diretor técnico, ao longo de 2025, não se mostrou um expert no trato com a imprensa (estou sendo eufêmico no uso das palavras).
Muito pelo contrário...
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E a renovação de Filipe Luís, hein? Será que não poderia ter sido resolvida antes?
2026 lembra em alguma medida 2023, quando uma Copa do Mundo, disputada no ano anterior, obrigou ao ajuste de competições no início da temporada seguinte. 2026 "chegará chegando", com a Supercopa do Brasil sem data confirmada, o Campeonato Brasileiro começando dia 28 de janeiro e sendo disputado paralelamente aos Estaduais (várzea!) e um período de pré-temporada encurtado para quem disputou títulos dezembro a dentro, casos do Flamengo e dos semifinalistas da Copa do Brasil, em especial os dois finalistas.
Não poderia existir momento pior para trocar de diretor técnico ou treinador. No caso do boquirroto português, tudo indica que sua permanência de fato ocorrerá, porém a continuidade da Diva de Coque é um tanto incerta.
Arrepio-me ao me lembrar do cenário da chegada de Vitor Pereira, muito embora seja importante ressalvar, contextualmente, que a seriedade no Departamento de Futebol, hoje, é outra. Ainda assim, nenhum treinador é igual ao outro e a combinação de tempo curto e necessidade de adaptações a um novo treinador, por mais próxima que possa ser sua filosofia tática, é uma equação que deveria ser evitada a todo custo.
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Estou devendo um diário da viagem a Lima. Pretendo publicá-lo na segunda-feira.
A palavra está com vocês.
Bom FDS e SRN a tod@s.


