Olá, Buteco.
“Quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho.”
Parece que foi Coleman Cox que originalmente proferiu essa boa frase, a qual, em variadas versões, é atribuída a muitos autores diferentes (um dos mais famosos é Thomas Jefferson, mas há registros que lhe negam essa autoria).
O tema frequentou debates no Buteco, na noite de quarta-feira passada, depois que o Flamengo derrotou o São Paulo por 2 a 1, mas as reflexões estavam voltadas para a falta de sorte do Manchester City, no seu duelo de quartas de final da Champions League 23/24, contra o Real Madrid.
Nesse debate, o Thiago Amado apresentou sua versão da frase, também boa:
“Os competentes fazem sua sorte.”
Sobre Sorte e Flamengo 2024
A sorte não ajudou o Flamengo na definição dos grupos da Libertadores 2024, ao obrigar nosso time a fazer dois jogos na altitude, em um total de seis partidas.
Seria sensato, em nome de maior isonomia entre os participantes da Copa Libertadores, que o regulamento do sorteio previsse que nenhum grupo tivesse mais do que um clube mandante de seus jogos na altitude (pelo menos isso!!!), mas esse ato de sensatez seria o reconhecimento, pela Conmebol, de que times adaptados à altitude desfrutam de vantagem injusta na competição.
A probabilidade de ocorrência de dois clubes “do morro” caírem no mesmo grupo deve ser pequena, porém, neste 2024, o raio caiu duas vezes no mesmo lugar e sobrou para o Flamengo.
A sorte (será que é mesmo questão de sorte?) também não ajudou o Flamengo quando foi formada a tabela do Brasileirão 2024, impondo-nos uma sequência pesada nas dez primeiras rodadas, “com 6 clássicos e mais 3 confrontos difíceis fora de casa (Goianiense, Bragantino e Paranaense)” como assinalou o Leandro Machado no post “Checkpoint Brasileirão 2024", de 16/04.
É razoável considerarmos que a sorte foi mais favorável ao Mais Querido na definição dos confrontos da Fase 03 da Copa do Brasil porque, embora já tenham surgido notícias dando conta que o Amazonas não é uma baba, havia clubes teoricamente mais difíceis no pote de onde saiu o nosso adversário.
Sobre Queixas e Ações Transformadoras
Em convívio com profissionais inspiradores, aprendi que, diante dos fatos que se opõem aos seus planos e projetos, uma pessoa ou uma equipe pode enveredar pelas queixas e lamentações, que são paralisantes, ou pelas ações transformadoras, que levam a mobilizações produtivas e vencedoras (da pessoa ou da equipe).
No post “Campeonato Brasileiro, Calendário, A Meia Verdade e o Falso Dilema”, de 13/04, o Gustavo trouxe um recorte de declarações do dirigente Bruno Spindel, em que identifico a presença de queixas que, a meu ver, indicam (ou tentam justificar) certo grau de paralisia.
“O Flamengo criou um elenco robusto para disputar todas as competições.”
Não criou. Temos bons jogadores, mas há insuficiências importantes, quando se pensa no tamanho do desafio que representa disputar, à vera, as três principais competições (Brasileirão, Libertadores e Copa do Brasil).
O Flamengo deveria, sim, ter criado um verdadeiro “elenco robusto” e o que gera um sentimento de frustração no torcedor rubro-negro é que faltaram poucos jogadores para que pudéssemos comemorar essa façanha que, se o Departamento de Futebol tivesse trabalhado melhor, teria sido alcançada pelo Mais Querido e lhe daria uma grande vantagem competitiva.
“Você tem os nove jogos da Copa América em que o Flamengo vai ser desfalcado.”
Aí, aceito que há uma queixa justificada, porque um clube que monta um elenco com jogadores selecionáveis fica mais sujeito a perder jogadores, quando os poderosos do futebol brasileiro e sul-americano impõem a realização de uma competição de seleções sem que o Brasileirão seja suspenso.
Neste caso, entendo não haver como evitar algum prejuízo ao desempenho do time, embora isso pudesse ser minimizado se tivéssemos completado o tal “elenco robusto”.
“Essa escolha de priorizar a Copa do Brasil quem fez foi a CBF. Acho que a CBF fez uma escolha comercial. Ela deve lucrar R$ 200, R$ 300 milhões. É uma dedução. Do ponto de vista esportivo, não faz sentido você tirar todos os atletas de seleção, que devem ser 40 no Brasileiro, e desprestigiar o campeonato. É a última vez que vamos tocar nesse tema antes de o campeonato começar. Mas a CBF rompeu um princípio que ela tinha da isonomia quando fez essa escolha. O Campeonato Brasileiro não tem isonomia esportiva. Ele é mais difícil e desequilibrado para os clubes que têm atletas convocados."
Apesar de haver razão para alguma reclamação, essa declaração tem muito de queixa paralisante e de justificativa, e ela foi bem respondida pelo Gustavo, no trecho que transcrevo a seguir:
"... o contrário acontece quando utilizam-se de meias verdades ou do próprio calendário como muleta, para antecipadamente se justificarem quanto a eventual queda de rendimento no Campeonato Brasileiro. Afinal de contas, quem montou o elenco que tem o setor direito titular com Guillermo Varela e Luiz Araújo não fomos nós nem as vovozinhas dos senhores Rodolfo Landim e Marcos Braz. Só para ficar em dois exemplos bem claros."
Calendário insano e decisões da CBF priorizando a Copa do Brasil não são novidades e eu entendo que a ação transformadora que o Flamengo deve empreender consiste no clube proporcionar a cada ano, ao treinador (agora Tite) e à sua CT, um elenco mais completo, sem as lacunas que chegaram a levar a improvisos precoces na escalação do time, quando a temporada apenas se iniciava.
Como a gestão Landim está no seu sexto ano e o clube tem capacidade financeira para investir em contratações, a queixa do dirigente soa muito como tentativa de justificar terem feito menos do que deveriam e poderiam.
Entendo que, em qualquer temporada, o trabalho do comando do futebol do Flamengo deve ser, em síntese, a montagem de uma estrutura forte, capaz de suportar os grandes desafios e as enormes pressões que resultam do calendário insano (talvez irremediável e eternamente insano) e da presença de adversários fortes, aptos a brigarem pelos títulos que queremos.
Destaca-se, nessa estrutura forte, um elenco suficiente, em qualidade e quantidade, para os rodízios que o calendário impõe e continuará impondo ao longo dos anos.
Clubes bem estruturados podem perder competições, como acabou de acontecer com o Manchester City, porque o futebol tem uma enorme influência de circunstâncias capazes de costurarem um destino diferente para uma partida, mas são esses clubes que sempre estão na briga pelos grandes títulos que disputam.
Esta é a exigência que a Nação Rubro-Negra tem direito de fazer aos dirigentes do clube.
O estrutural e o circunstancial na final de Lima
Sempre que penso na componente estrutural e na componente circunstancial que se combinam para definir o destino de um projeto ou, no caso do futebol, de uma vitória ou de uma conquista de título, vou parar na final de Lima, em 2019.
Disputavam o título duas equipes muito bem estruturadas e o River, valendo-se de sua boa estruturação, tinha conseguido se impor ao Flamengo durante parte significativa do jogo, abrindo e sustentando a vantagem de 1 a 0.
Aí, por volta da metade do segundo tempo, um fator estrutural passou a mudar o roteiro da partida: o Flamengo tinha melhor preparo físico e gradativamente começou a encontrar seu jogo.
Sentindo o crescimento do Flamengo, o River passou a recuar suas linhas e a pensar em defender o resultado.
Vieram, então, dois fatos que classifico como circunstanciais e que, combinados com o melhor condicionamento do Flamengo, reescreveram o destino daquela decisão.
Do lado do Flamengo, Gerson sentiu um músculo e Diego Ribas entrou em seu lugar.
No River, Gallardo mudou o time, fazendo entrar Lucas Pratto.
Perto dos 43 minutos da segunda etapa, Lucas Pratto carregou a bola na nossa intermediária e foi acossado pelo Diego (o substituto do Gerson!), que atrapalhou sua progressão e favoreceu a ação do Arrascaeta. O craque uruguaio roubou a bola do jogador do River e iniciou o contra-ataque que resultou no nosso primeiro gol.
Poucos minutos depois, Diego experimentou um chutão-passe a partir da nossa intermediária, Gabigol ganhou a disputa com a zaga, fez o nosso segundo gol e a taça escapou das mãos do River e passou a ser do Flamengo.
Circunstâncias são e sempre serão parte do futebol, mas o que sustenta as caminhadas para o topo das competições é uma boa estruturação.
Esgotado o papel da estruturação, a sorte entra e pode mexer seus pauzinhos, como acho que fez na eterna final de Lima.
A estruturação do futebol do Flamengo na gestão Landim
Seria exagero afirmar que tudo está errado no futebol do Flamengo da gestão Landim, mas os comandantes por ele escolhidos não têm demonstrado capacidade de estruturação suficiente para que o clube participe das competições sem algumas deficiências, que até o torcedor mais desligado é capaz de perceber.
A impressão que se tem é de que eles nem mesmo percebem o que significa um trabalho de estruturação amplo e profundo, desde a base até o elenco profissional.
Como consequência, a estratégia dominante tem sido a terceirização do comando operacional do futebol profissional para o treinador da ocasião (eles ficam com as contratações), fato que o Buteco tem apontado recorrentemente e que vi ser assinalado, nesses mesmos termos, pelo comentarista Renato Rodrigues, da ESPN, no Linha de Passe do pós-jogo de Flamengo x São Paulo.
O Flamengo não teve sorte na definição das tabelas das duas principais competições da temporada (Libertadores e Brasileirão), mas entendo que, se tivesse trabalhado melhor, estaria apto a enfrentar as dificuldades com maior sucesso e dependeria menos de circunstâncias favoráveis (“os competentes fazem sua sorte”, by Thiago Amado).
E o treinador Tite?
Tite está “embarcado no projeto 2024” e, sujeito como está à influência da estruturação insuficiente do clube quanto a elenco, também precisa passar longe das queixas e trabalhar no campo das ações transformadoras que, com frequência, exigem que lutemos contra nossos próprios hábitos e limites.
Reconhecendo que o comando operacional do futebol profissional do clube está terceirizado para ele e que as insuficiências de elenco são parte da realidade que lhe é oferecida, Tite precisará enfrentar seu perfil conservador para, com mais criatividade, mais flexibilidade e mais arrojo encontrar, no grupo de jogadores com que conta, as soluções de que o time precisará neste ano, para brigar por títulos.
Imaginei que a principal ação transformadora que ele adotaria seria uma corajosa rotação de elenco, à moda Dorival Jr., mas até agora isso não aconteceu.
Faço, então, uma pausa para reflexão.
Tenho defendido um revezamento mais ostensivo, adotando como referência a fórmula times A e B, usada com sucesso pelo treinador Dorival Jr. em 2022, mas é preciso distinguir o contexto vivido por ele e o agora vivido pelo Tite.
Dorival assumiu o Flamengo, num momento em que o time tinha péssimo rendimento e, no Brasileirão, conquistara apenas 10 pontos em 12 jogos, com aproveitamento de 33,3%.
Nos três primeiros jogos em que comandou o time pelo Brasileirão, derrotou o Cuiabá e perdeu para Internacional e Atlético MG, terminando a 15ª rodada com 13 pontos e os mesmos 33,3% de aproveitamento, praticamente condenado a disputar apenas uma boa colocação no campeonato.
Afinal, naquele momento restavam apenas 23 rodadas e a obrigação do Flamengo conseguir pelo menos mais 57 pontos e 82,6% de aproveitamento, para chegar aos baixíssimos 70 pontos que deram o título ao Palmeiras (é claro que essa pontuação só foi conhecida no fim do campeonato, porém era um número mínimo admissível para quem, ao final da 15ª rodada, avaliava suas remotas chances de ainda brigar pelo título).
Nessa situação, a priorização das Copas em detrimento do Brasileirão tornou-se uma estratégia aceitável e ela deu bom resultado, pois viabilizou a conquista dos títulos da Copa do Brasil e da Libertadores.
Tite, porém, não tem essa permissão de abrir mão do campeonato brasileiro, porque comanda um time que não está em crise e que tem chances reais de brigar pelo título da principal competição nacional.
Considerando que também não há, a priori, permissão para abrir mão da Libertadores, Tite precisará, no mínimo, tentar ganhar as duas principais competições (LA e BR), do que resulta que o uso ostensivo de um time B fica menos viável.
E esta pode ser a razão que leva a estratégia do atual treinador do Flamengo se afastar da referência Dorival Jr. 2022 e buscar aproximação com a estratégia usada por Jorge Jesus em 2019, a de uso da força máxima possível em todos os jogos da Libertadores e do Brasileirão (a ver como se comportará quanto à Copa do Brasil).
De novo é preciso fazer distinção entre os contextos para melhor definir expectativas.
Em conversa recente, aqui no Buteco, eu propus uma comparação entre o time titular com que contou Jorge Jesus e o time titular que Tite vem usando.
Do time atual, só De La Cruz ganharia uma vaga no time de 2019, barrando Gerson, e Léo Pereira teria chance de ganhar a vaga de Pablo Marí, cabendo destacar que isso não significa que Gerson e Marí tenham sido elos fracos naquele grande time, pois também jogaram muito bem.
Tite tem contra si, portanto, um elenco titular menos qualificado do aquele que brilhou sob o comando de Jorge Jesus.
Para compensar em parte essa desvantagem, ele tem, a meu ver, um banco de reservas melhor do que o de 2019.
Acrescentem-se a essa comparação outros fatores que também têm peso:
- O time de 2019 saiu cedo da Copa do Brasil, ganhando algumas folgas.
- O time de 2024 sofrerá muitos desfalques em nove rodadas do Brasileirão, disputadas simultaneamente com a Copa América.
- Por outro lado, as competições serão paralisadas nas datas FIFA, dando ao Tite algum tempo para recondicionamento dos jogadores não convocados.
- Para os convocados, ao contrário, a perspectiva é de folga zero ao longo de toda a temporada.
- O Flamengo de Jorge Jesus tinha um condicionamento físico invejável, que fez muita diferença na sua imposição sobre os adversários (inclusive na reação na final de Lima), algo que o time comandado por Tite ainda busca, deixando dúvidas se conseguirá ótimo condicionamento (e conseguir será decisivo para nossa aspiração de sucesso nas competições, assim como foi em 2019).
Juntando e misturando tudo isso e fugindo da comparação entre competências e índices de acertos de Jorge Jesus e de Tite, vejo o treinador atual em desvantagem para brigar por uma repetição da histórica façanha do Mister, que conquistou as duas principais competições, bateu o recorde de pontos de um campeão no Brasileirão e levou seu time a produzir algumas atuações memoráveis, tanto no BR quanto na LA.
É preciso ressalvar, porém, que isso não alivia completamente o peso da missão do atual treinador do Flamengo.
Afinal, em 2023, ano que foi, com larga margem, o pior do futebol do Flamengo na gestão Landim, o Mais Querido foi vice-campeão da Copa do Brasil e quarto colocado no Brasileirão.
É legitimo, portanto, que esperemos que, num ano que começa sem o caos da temporada passada, o Flamengo volte a conquistar grandes títulos.
Pelos sinais dados até agora, Tite vai adotar, para tentar brigar pelos títulos, a mesma estratégia de sempre usar força máxima possível que Jorge Jesus utilizou para nos proporcionar o Ano Mágico.
Questionei essa estratégia em 2019 (era a única crítica sistemática que eu fazia ao Mister) e continuo questionando agora, inclusive pela melhor qualidade do banco de reservas com que conta o Tite, mas não nego ao nosso treinador meu crédito de confiança e minha esperança de que ele acerte a mão na rotação de elenco, embora me preocupe em ver que, ao mesmo tempo em que ele declara ser humanamente impossível disputar todas as competições, continua escalando o time titular sem intervalo para descanso.
Amanhã teremos mais um jogo pesado, fora de casa e contra um dos principais candidatos ao título do Brasileirão.
Que time teremos em campo?
Nossos titulares vão aguentar manter bom ritmo jogando a sétima partida seguida em 23 dias?
Se voltarem a ser escalados “em massa”, minha preocupação estará em alta, mas minha torcida será para que eles aguentem e nos levem a uma grande vitória
Afinal, posso discordar e ao mesmo tempo torcer para que o Tite esteja certo.
É o que estou fazendo.
Saudações Rubro-Negras!
Carlos César Ribeiro Batista