segunda-feira, 14 de março de 2022

O Batismo de Mister Paulo

Foto: Alexandre Neto/Photopress/Gazeta Press

"Me sinto inteiramente batizado e, então, hoje me sinto verdadeiramente treinador do Flamengo" (Paulo Sousa)

Salve, Buteco! Não vou discorrer sobre os 6x0 aplicados no Bangu, no último sábado à noite. Afinal, a fragilidade do adversário era mais do que evidente, inclusive pela aparente falta de compromisso do seu treinador com a competividade, pois o seu foco parece ser, basicamente, sair jogando bonito com trocas de passes, mesmo que a estratégia seja suicida, a depender do adversário.

A vitória de sábado, portanto, valeu não pelo aspecto tático, mas pela degustação, pela  primeira vez, por parte da nova comissão técnica, daquela sinergia única entre a torcida e o time, que existe de maneira especial e diferenciada no Maracanã. Foi bom também ver o time buscando o gol após as substituições, até o apito final do árbitro.

Que o evento, místico e espiritual, desperte em Mister Paulo e os jogadores o ímpeto e a vontade de repeti-lo em grandes eventos na temporada de 2022.

***

Paulo Sousa está fazendo História no Flamengo. Acalmem-se porque não me refiro a resultados e nem sequer a qualidade de jogo, mas à postura profissional e à coragem de enfrentar antigos tabus do futebol brasileiro, também presentes no Flamengo. Com a palavra, André Nunes Rocha (@anunesrocha) em sua brilhante coluna de ontem no portal Uol:

Rodar o elenco sempre gerou ruído no Brasil. Ainda que lesões, suspensões, convocações e a prioridade dada a determinada competição façam o rodízio acontecer naturalmente. Jorge Jesus em 2019 tinha uma formação titular muito bem definida, confiava pouco nos reservas e, ainda assim, só escalou o time ideal por oito vezes. O Flamengo que atropelou o Liverpool em 1981 e entrou para a história, com Marinho na zaga, só atuou junto por mais três vezes.

Mas se não definir onze titulares muita gente reclama. No ano passado, Renato Gaúcho tinha muito claro na cabeça o time que escalaria na final da Libertadores. Fez tudo para que estivesse em Montevidéu, mesmo com muitos jogadores longe das condições ideais. Tudo para ver Abel Ferreira, que preparou o Palmeiras por dois meses para encarar justamente aqueles onze, armar a jogada do primeiro gol da partida, explorando um "ponto cego" pela esquerda daquela formação.

Não há fórmula para vencer. Existem escolhas. Paulo Sousa prefere ter uma maneira de jogar e adaptar os atletas. 3-4-2-1 atacando, 4-4-2 defendendo. A escalação vai depender de vários fatores, como adversário, mando de campo, colocação na tabela, condição física, minutos em campo, etc.

Com o futebol tão intenso e estudado, é preciso revezar e surpreender. Foi o que Paulo Sousa fez contra o Bangu e não conseguiu em outras partidas. Vai acertar e errar, mas já está claro que há uma ideia e muito trabalho por trás. Não adianta o Flamengo buscar uma comissão técnica na Europa e esperar práticas de profissionais brasileiros.

Então haverá telão, equipamentos modernos de GPS e tudo que for viável para fazer o melhor trabalho possível. Incrível que ainda exista quem cultue o mal feito com tanto dinheiro envolvido, em nome de um "futebol raiz" que sobrevive apenas na cabeça de saudosistas desconectados da realidade.

A obrigatoriedade do jantar pós-jogo dentro de uma estrutura montada no Maracanã gerou polêmica. Algo que já vinha acontecendo e tem amparo na ciência esportiva, para iniciar a recuperação do esforço logo após a partida, foi tratado como um risco de "perder o grupo". Como se o melhor fosse liberar todo mundo para tomar cerveja e comer alimentos gordurosos.

Parece claro que Paulo Sousa terá que "jantar" preconceitos no Flamengo. O duro é que, na prática, tudo isso será visto como "a chave do sucesso" se a trajetória for vitoriosa ou como "o que rachou o elenco" caso os resultados não venham, ainda que por fatores como méritos dos concorrentes ou o próprio acaso que torna o futebol apaixonante. Triste, mas é assim que funciona por aqui.

Isso é História viva, sendo escrita sob os nossos olhares e com a nossa participação, enquanto torcedores. Nunca antes, na História do Mais Querido, dogmas tão solidificados (não exclusivos do clube) foram tão questionados (no bom sentido) e de maneira tão profissional e transparente, inclusive em nível de legado para futuras comissões técnicas do futebol profissional.

Como bem destacou o André, Mister Paulo certamente não acertará todas as vezes e o seu discernimento será posto à prova pelo calendário especialmente difícil de 2022, marcado também pela cada vez maior qualificação da concorrência. Contudo, os resultados, sejam positivos, medianos ou frustrantes, serão tão importantes quanto o processo que foi desencadeado. 

Qualquer análise séria terá que envolver o comportamento da diretoria, dos atletas e da torcida (por exemplo, o meu nos posts) diante do inédito grau de profissionalismo que estamos vivenciando, e aqui reitero que não falo de sucesso ou de resultados.

Quando menciono a Diretoria, refiro-me basicamente, embora não exclusivamente, a reforços. Se há algo que não poderá ser alegado por nossos dirigentes, em relação aos posicionamentos de Mister Paulo, é a surpresa. 

Ora, Mister Paulo é o terceiro adepto do jogo de posição desde a saída de Jorge Jesus do clube. Logo, nossos dirigentes não podem se dizer pegos de surpresa com as exigências do treinador, tanto mais quando ele próprio, em entrevistas coletivas anteriores (não na última), referiu-se mais de uma vez ao que foi acertado em Lisboa, quando de sua contratação.

O nosso atual treinador está simplesmente colocando em prática a filosofia, tal como outros da mesma escola o fazem ao redor do mundo do futebol. Paulo Sousa se distingue positivamente de seus três últimos antecessores em conhecimento e capacidade para transmiti-lo, liderança e experiência como treinador e ex-atleta (aqui, não quanto a Renato), tendo ainda a seu dispor uma comissão técnica muito mais qualificada; porém, não se enganem, o conceito é o mesmo (dos dois primeiros) - jogo de posição.

***

Nunca uma comissão técnica teve e ainda terá tanto tempo para treinar, como demonstra o atualizado calendário até o início da Copa Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro:


Data

Adversário

Competição

Quarta-Feira 16/3 20:00h

Vasco da Gama (f)

Estadual (Semifinal 1)

Domingo 20/3 16:00h

Vasco da Gama (c)

Estadual (Semifinal 2)

Terça-Feira 22/3

Libertadores da América Sorteio Fase de Grupos

MDS 23 e 24/3

Eliminatórias

FDS 27/3

Treinamentos

MDS 29/3

Eliminatórias

MDS 30/3

Estadual (Final 1)

FDS 3/4

Estadual (Final 2)

MDS 6/4

Indefinido

Libertadores da América Fase de Grupos, 1ª Rodada

FDS 10/4

Atlético/GO (f)

Campeonato Brasileiro1ª Rodada

Ao mesmo tempo, quando demora a contratar ou contrata sem o aval do treinador, a Diretoria dificulta a implementação do processo que contratou (e combinou) em Lisboa. São os paradoxos da complexa política interna rubro-negra.

Rogo a São Judas Tadeu que Mister Paulo consiga digeri-la, bem como receba a luz do discernimento e tome as melhores decisões para o Flamengo.

***

Mister Paulo, vamos facilitar as coisas e vencer 3 vezes seguidas o Vasco? Vencer, vencer, vencer neles! E convencendo!

***

A palavra está com vocês.

Bom die SRa tod@s.