segunda-feira, 24 de maio de 2021

Adapt or Die. Ceni e a Pressão no Flamengo

Foto: Cahê Mota (Globo Esporte)
Foto: Cahê Mota (Globo Esporte)

Salve, Buteco! A semana decisiva que anunciei no post da semana passada acabou terminando com um saldo positivo, com a classificação para as oitavas de final da Libertadores e o título de tricampeão carioca. Esse saldo poderia ser maior acaso a classificação tivesse vindo com uma vitória, mas a tanto maneira suada como foi conquistada, como o Fla-Flu do tricampeonato dão uma boa ideia do que potencialmente pode vir a ser o cenário das oitavas de final da Libertadores. 

O jogo de quarta-feira trouxe muita apreensão. Como ponderei nos comentários, acho que a Diretoria jamais poderia ter autorizado um time misto na última quarta-feira. Porém, a partir desse ponto, a fatura dos sustos contra a LDU deve ser cobrada na maior parte de Rogério Ceni. Na maior parte porque, se a decisão de escalar Léo Pereira na lateral esquerda (ou como um zagueiro mais à esquerda) pode ser classificada como desnecessariamente arriscada, em contrapartida o jogo, até a expulsão de Willian Arão, dava a impressão de que penderia a favor do Flamengo, ainda que com placar apertado e talvez sem maiores sustos na defesa, até porque Léo Pereira não estava comprometendo.

A atuação de sábado à noite, ao contrário, foi bem mais segura e consistente. Os números do SofaScore não deixam dúvida a respeito da superioridade rubro-negra sobre o Fluminense, adversário que apresentou um futebol digno de classificação, ainda que como segundo colocado, para a próxima fase da Libertadores. É bem verdade que o Tricolor se enrolou no confronto contra o Junior Barranquilla e pode até vir a ser eliminado na próxima terça-feira, porém o tropeço não invalida a premissa, já que não apaga o razoável rendimento nas três rodadas anteriores.

O certo é que o time entrou ligado no Fla-Flu e o desempenho me levou a concluir que é capaz de ser competitivo mesmo contra um adversário um pouco mais forte nas oitavas de final da Libertadores. Capaz em tese, vejam bem. Tanto pode vir um São Paulo, como um Deportivo Táchira, ou mesmo o próprio Fluminense ou uma Universidad Católica, que seriam uma espécie de meio termo, mas em qualquer caso o Flamengo será tratado como favorito, assim como, se Ceni não melhorar a defesa, permanecerão as dúvidas sobre o seu trabalho.

O vídeo abaixo ilustra bem o persistente problema do posicionamento da defesa na bola parada adversária:


Tem cabimento um posicionamento grotesco como esse? Não, né?

Parte da causa está na dificuldade de Rogério Ceni para reconhecer erros e limitações de sua proposta tática e de tomar decisões racionais para resolver os defeitos. Ora, o que diabos o Matheuzinho estava fazendo do lado esquerdo da defesa? Neste didático vídeo, o @obrunopet explica detalhadamente possíveis causas dos recorrentes problemas defensivos do Flamengo de Rogério Ceni, dentre elas o custo da opção de Willian Arão no miolo de zaga e essa fixa e aparentemente idiossincrática inversão dos laterais na marcação da bola aérea adversária.

Autoconfiança e ambição são características que podem trazer resultados excelentes, mas desde que na dose certa. Por exemplo, sem essas característica, inatas à personalidade de Jorge Jesus, 2019 não teria acontecido, embora volta e meia cobrassem uma pequena fatura, como a precipitação na escalação dos titulares na Vila Belmiro pela 38ª Rodada do Campeonato Brasileiro, resultando numa goleada perfeitamente evitável. O pacote Jorge Jesus, porém, produzia um saldo altamente favorável para o clube e o treinador. Até os atletas saíam ganhando. A questão é identificar o que fazia Jesus errar bem menos do que o Ceni, mesmo sendo ambicioso e correndo muitos riscos. Qualidade? Conhecimento? Experiência? Tudo isso junto?

A grande diferença, na minha opinião, é o discernimento. Ceni é trabalhador, tem potencial e busca saudavelmente o conhecimento, porém coloca a si mesmo e o time em situações absolutamente evitáveis e numa frequência indesejável. Arrisco dizer que se enrola na leitura de jogo muito mais por conta da sua preocupação em exibir um modelo autoral do que por falta de capacidade para decifrar o que acontece durante os jogos.

O alto sarrafo que passou a existir para os treinadores do Flamengo é, sem dúvida, um grande complicador. Já foi bem mais baixo, como todos sabemos, mas desde 2019 subiu consideravelmente e talvez nunca mais abaixe, condição factual que Ceni simplesmente não tem como modificar. Como todos sabemos, o clube suou muito para alcançar o status atual. Por isso mesmo, é incoerente reclamar da cobrança e ao mesmo tempo elogiar o clube que lhe dá todas as condições para trabalhar, usando as palavras do próprio treinador. Trata-se de um contexto não fracionável pela conveniência de quem quer que seja. Adapt or die, como disse o personagem de Brad Pitt ao dirigente ultrapassado no icônico filme Moneyball.

Experiência muitas vezes traz sabedoria e discernimento, mas não é necessariamente uma regra e mesmo pessoas mais jovens podem desenvolver essa qualidade mais cedo. A única forma que vejo para Ceni sobreviver no Flamengo é apender a enxergar a si próprio, dosar sua ambição e não dar passos maiores que as próprias pernas. No último sábado à noite, nosso treinador estava leve e solto, transparecendo alívio e felicidade na entrevista presencial pós-título. Foi agradável assistir. Cabe a ele criar as condições para que isso se repita por mais vezes. Torço muito por isso.

Por exemplo, a semana que ora se inicia também é muito importante, a exemplo da que se passou. Vencer bem o Vélez Sarsfield, assegurando a liderança do grupo e uma boa colocação na pontuação geral, e em seguida estrear no Brasileiro com uma vitória convincente contra o pressionado Palmeiras certamente ajudaria nosso treinador a sofrer menos pressão em junho, mês dos temidos desfalques no elenco.

O xis da questão é Ceni demonstrar que consegue rodar o elenco de maneira responsável no curso de uma maratona de jogos, mantendo um alto padrão de competitividade. Do contrário, não poderá reclamar da pressão. Isso aqui é Flamengo, as metas podem e são altas mesmo e a torcida, consciente desse fato, cobra e participa. Não há mais espaço para eliminações precoces e nem haverá confiança, aceitação e vida longa sem que Ceni aprenda a conviver e lidar muito bem com esse cenário (sem trocadilho).

Bom dia e SRN a tod@s.