segunda-feira, 5 de abril de 2021

A "Final" da Supercopa

Salve, Buteco! Em um animado bate-papo travado durante a semana neste Blog, discutiu-se qual teria sido o time da década e as opiniões se dividiram entre Corinthians, Flamengo e Palmeiras, como não poderia ser diferente. Em qualquer comparação, para que se chegue a conclusões minimamente consistentes, é preciso adotar critérios. Pra começar, o conceito de década. Como disse na ocasião, década, pra mim, é o que "se define como 10 a partir de um ano em que o número pode ser completamente divisível por dez", conceito adotado pela Organização Internacional de Padronização. Logo, a década terminar em 2019 ou 2020 pode fazer diferença na eleição ou escolha do melhor. O segundo critério que considero essencial é estabelecer em que se está votando, se no melhor time ou no melhor clube. Se a votação é sobre o melhor time, o Flamengo/2019 ganha com sobras; se, por outro lado, a eleição recai sobre o melhor clube, o Corinthians e o Palmeiras entram na briga, mas observem que, também aqui, seria imprescindível discutir se "apenas" a magnitude dos títulos seria o critério de escolha, contexto em que o Corinthians provavelmente venceria, ou se também poderiam ser incluídos critérios como gestão administrativa, financeira e fiscal, quando Flamengo, Palmeiras e talvez até o Grêmio ganhariam espaço.

O tema é instigante e comporta muitos contrapontos, mas essa introdução tem por finalidade exclusiva contextualizar o tema do post, qual seja, o simbolismo da Supercopa do Brasil/2021 ser disputada pelos dois clubes que podem vir a "polarizar" o futebol brasileiro na década de 2020. Fazendo um "corte" nos últimos cinco anos, é fácil constatar essa tendência, pelas conquistas de ambos nos níveis nacional e internacional: Flamengo - 2 Brasileiros, 1 Libertadores, 1 Supercopa do Brasil e 1 Recopa Sul-Americana, podendo ainda levar a Supercopa do Brasil/2021; Palmeiras: 2 Brasileiros, 1 Libertadores e 1 Copa do Brasil, podendo ainda levar a Supercopa do Brasil e a Recopa Sul-Americana/2021. Nenhum outro clube conquistou títulos dessa magnitude com as mesmas frequência e quantidade, podendo-se dizer que, a partir do ano de 2016, o atual equilíbrio de forças do futebol brasileiro começou a se desenhar na prática. No Twitter, um jornalista (não me recordo do nome) falou em "movimento de placas tectônicas", no qual uma nova ordem está se estabelecendo.

Portanto, como nas discussões sobre "o melhor e o pior", em futebol, costuma-se focar no que aconteceu dentro das quatro linhas, não tenho problema nenhum em apontar o Corinthians como "o clube" da década/2010 e o Flamengo/2019 como "o time" da década, porém a importância desses "títulos" é meramente histórico-estatística, pois o que importará, daqui por diante, é a "nova ordem" do futebol brasileiro, na qual Flamengo e Palmeiras tendem a conquistar o maior número dos títulos mais importantes, enquanto os outros teóricos concorrentes de peso (tamanho de torcida), como o próprio Corinthians, além de São Paulo, Vasco da Gama, Santos, Grêmio e Cruzeiro, uns por conta de gestões catastróficas, outros por simples limitação de tamanho, tendem a ficar apenas com as sobras.

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Historicamente, Flamengo e Palmeiras se enfrentaram por 118 ocasiões, com 40 vitórias rubro-negras (173 gols), 46 palestrinas (194 gols) e 32 empates. Na última década, o Palmeiras chegou a ficar invicto por nove jogos (de 2015 até 2018), enquanto, em contrapartida, o Flamengo entrará em campo, no domingo, defendendo uma invencibilidade de seis jogos (desde 2018). 

O único título disputado diretamente entre ambos foi o da Copa Mercosul/1999, quando o Mais Querido, com um time modesto e sob a batuta de Carlinhos, levantou epicamente a taça em cima do então poderoso campeão da Libertadores e vice-campeão mundial. Em competições nacionais, o Flamengo eliminou o Palmeiras da Copa do Brasil/1997, enquanto o Palmeiras deu o troco na Copa do Brasil/1999 (com arbitragem polêmica) e levou a melhor na Copa dos Campeões/2000.

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Afinal de contas, o jogo de domingo pode ser chamado de "final"? Não parece esquisito falar em final de uma competição que começa e termina no mesmo jogo? Na falta de outro termo e em respeito à tradição do futebol, vou então chamar de "final" e partir para o que realmente interessa: pra vocês, é possível apontar favorito? O cenário é de equilíbrio. O Flamengo tem um time com mais jogadores capazes de decidir um confronto a partir de suas individualidades, porém o Palmeiras acabou de vencer as duas maiores competições em formato eliminatório ou "mata-mata" disputadas por clubes brasileiros na América do Sul, nas quais o Flamengo foi eliminado por outros clubes que sequer enfrentaram o Palmeiras. Só que a discussão ainda comporta um elemento adicional muito importante, qual seja, a decepcionante campanha do Palmeiras na mais importante das competições eliminatórias que disputou na temporada/2020, o Mundial de Clubes da FIFA. Se não podemos dizer que o Flamengo de hoje esteja no mesmo patamar que o Bayern de Munique, não tenho dúvida em afirmar que é mais time do que o bom Tigres mexicano.

Na minha visão, o cenário também é indefinido quando se compara os treinadores. Rogério Ceni é mais velho (48 x 41), porém Abel é treinador há mais tempo (2011 x 2017). Só que, nesse mesmo período, Ceni conquistou mais títulos em diferentes clubes. Ainda que se faça reservas em relação à diferença entre os contextos dos Sportings portugueses (Lisboa e Braga) e do Fortaleza, é inegável que Ceni superou concorrência forte e, ao menos na minha opinião, jamais se deve desprezar os fatos e eles apontam, inequivocamente, que o atleta Ceni, que conquistou quase tudo possível de relevante como atleta (faltou apenas a Copa do Brasil), começou cedo a empilhar taças como treinador. Aliás, é muito mais comum ex-atletas exitosos não repetirem o sucesso como treinadores do que o contrário. Na verdade, a maioria dos treinadores mais vencedores teve histórico comum como atleta. O começo de carreira de Ceni tem mais taças do que as de muitos treinadores bem sucedidos. Reconhecer esse fato não é o mesmo que enxergar em Ceni o talento e a capacidade dos maiores expoentes, mas apenas que sua carreira, até aqui, pode ser um indicativo de que conquistará muitos títulos nos cenários brasileiro e talvez até sul-americano.

Na parte filosófica, sou mais Ceni e sua preferência por controle do jogo com linhas mais altas, enquanto Abel declaradamente prefere "esperar o adversário mas atrás", na linha do seu mestre e referência José Mourinho. Contudo, ideias são importantes, mas devem se harmonizar com a realidade dos fatos e a eficiência. Acho que Abel recebe críticas mais severas do que deveria, como a de que não acrescentou nada de novo ao futebol brasileiro. Não é bem assim. É injusto negar qualidades como o minucioso estudo de esquemas e estilos dos treinadores adversários, virtude que o português vem apresentando e é raríssima entre os treinadores brasileiros. E reconhecer essa virtude tampouco me impede de constatar que o português ainda precisa ser testado em contextos nos quais tenha a obrigação de sair em busca do resultado. Por sua vez, em 2021 Ceni tem o desafio de devolver ao Flamengo a intensidade e a eficiente fuidez ofensiva que exibia antes da pandemia.

Na prática, Abel vem de uma escola de treinadores muito mais consistente do que a brasileira e, ainda por cima, como declarou em recente entrevista concedida ao canal SporTV, tem acesso a outros treinadores portugueses, que parecem conversar e serem mais generosos entre si do que os brasileiros. Em contrapartida, Ceni, mesmo com toda a sua complexidade, é vencedor e determinado, além de demonstrar propensão ao estudo em proporção muito maior do que a média nacional.

Meu palpite? Leve tendência em favor do Flamengo, pelo quarteto ofensivo e a aparente boa pré-temporada na parte física, mas não chega a ser favoritismo. Longe disso.

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Não se esqueçam de que hoje tem Flamengo x Madureira, pela 8ª Rodada da Taça Guanabara.

O Ficha Técnica está programado para as 19:00h e a palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.