segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Punctum dolens

Salve, Buteco! Ao final da semana saberemos quem presidirá o Flamengo no próximo triênio. Entre os grupos políticos que apoiam os candidatos com maior intenção de voto, há uma interessante gestão a respeito de modelo de gestão no futebol. Apoiadores da chapa da situação apostam no modelo atual, porém com mudanças no comando do futebol, especialmente na posição de gerente executivo. Defendem maior autonomia dos profissionais que estiverem à frente do Departamento de Futebol, sem interferência da direção amadora ou estatutária, a quem caberia traçar as principais metas e escolher o chefe do setor, além de cobrar os resultados de acordo com as metas traçadas. De outro lado, a chapa da oposição aposta na implementação do conceito de "Comitê Executivo do Futebol", no qual discussões estratégicas e possíveis contratações seriam avaliadas por um grupo restrito de pessoas, extinguindo o modelo de concentração do poder de decisão em um só profissional. Neste modelo, ao vice-presidente de futebol caberia implementar as decisões do comitê, do qual seria integrante.

Qual é o melhor modelo? Particularmente, gosto mais do segundo (Chapa Roxa), mas devo reconhecer que tanto a escolha precisa do profissional no modelo da Chapa Rosa pode dar certo, como também um comitê executivo bem composto por profissionais do ramo e um vice-presidente comprometido com o clube, defendido pela Chapa Roxa. O que dá errado é indicar um profissional que prioriza negociatas com empresários do ramo futebolístico e não reconhecer o erro, permitindo que opere livremente e feche as mais bizarras e lesivas negociações, ou então entupir o comitê executivos de palpiteiros amadores que pensam entender de futebol e tomam decisões impulsivas, as mais grotescas que se possa imaginar.

A execução correta do modelo, seja qual for o vencedor, é o que poderá fazer a diferença para mudar o estado das coisas no Departamento de Futebol do Flamengo.

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Qualquer que seja o modelo, e quaisquer que sejam seus executores, os resultados que toda a Nação Rubro-Negra deseja não serão atingidos se o elenco não for reformulado a ponto de propiciar a escalação de dois times competitivos em condições de disputar os títulos das três competições mais importantes: Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores da América e Copa do Brasil. Algo semelhante com o que o Palmeiras fez em 2018, mas com melhores planejamento e execução.

Para ficar mais claro, vejam o desempenho anual do Flamengo nas três temporadas correspondentes ao segundo mandato de Eduardo Bandeira de Mello:

Temporada
Jogos
Brasileiro
Copa do Brasil
Libertadores
Sul-Americana
2016
68
3º Lugar
2ª Fase (Fortaleza)
Não disputou
Oitavas (Palestino)
2017
84
6º Lugar
Vice-Campeão
Fase de Grupos
Vice-Campeão
2018
68
Vice-Campeão
Semifinal
Oitavas (Cruzeiro)
Não disputou

De 2016 a 2018, o elenco melhorou a olhos vistos, porém não aponto de propiciar a disputa, com chances reais e concretas de título, do Brasileiro por pontos corridos simultaneamente às eliminatórias (Libertadores ou Sul-Ameircana e Copa do Brasil). É fácil constatar que, no triênio, o desempenho no Campeonato Brasileiro melhorou à medida em que o Flamengo não avançou até as finais das competições eliminatórias. Inversamente, quando o fez, piorou seu rendimento no Brasileiro.

Outro aspecto a merecer atenção é que chegar às finais das competições eliminatórias corresponde ao aumento do número de jogos decisivos. É claro que em 2017 podemos descartar os 4 (quatro) jogos pela Primeira Liga e o amistoso com o Vila Nova; contudo, é inegável que avançar nas duas eliminatórias e, além disso, disputar a final e conquistar o Estadual aumentou significativamente não apenas o número de jogos, como também os chamados "decisivos" e, por via de consequência, o nível de desgaste do elenco. Enfrentando esse contexto sem um elenco equilibrado, o Flamengo teve em 2017 o seu pior desempenho em Brasileiros no triênio.

A bem da verdade, em nenhuma dessas temporadas o elenco esteve à altura do desafio cobrado pela torcida e estabelecido pelo clube: disputar todas as competições com chances de conquistar o título. Entretanto, em 2018, ano no qual teve o melhor elenco de futebol profissional no triênio e, por isso mesmo, na teoria poderia ter "rodado-o" mais do que nos dois anos anteriores, o Flamengo curiosamente menosprezou o peso do calendário e continuou com a política de utilizar apenas o time titular, desgastando-o e contribuindo para o insucesso. 

Que ninguém se engane: em 2019, como nas temporadas seguintes, a cobrança continuará a mesma. O Flamengo sempre tem que entrar pra ganhar. Aliás, assim será, inclusive para o hoje muito menos relevante Campeonato Estadual, enquanto o Flamengo for gigante. Logo, o clube não terá resultados diferentes do triênio 2016/2018 se não elevar muito o nível do elenco a ponto de propiciar a escalação de dois times competitivos nos cenários brasileiro e sul-americano, pois sempre tem no mínimo duas competições simultâneas.

Sem elenco a altura, não haverá modelo conceitual que se sustente, pois a maior chance será de que se enrolem nas escolhas, tal como ocorreu em 2018.

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Pode-se montar um elenco forte, como o proposto neste texto, com ou sem a participação do treinador. Na prática, o treinador tem grande peso na definição do elenco. Todavia, pondero que até mesmo o melhor treinador do mundo se enrolaria com as metas e a pressão que existem no Flamengo, mas sem elenco para enfrentar todos esses desafios simultaneamente.

Vejam bem, e eis a minha razão para preferir o modelo conceitual da Chapa Roxa, o Flamengo tem uma natureza mista, composta pela diretoria amadora e um departamento de futebol no modelo profissional. Não é só associação e nem apenas empresa. Na minha modesta opinião, a diretoria amadora não pode ter função meramente paisagística e contemplativa neste cenário. Quem não aprende com a história está fadado a repetir seus fracassos. O discurso de deixar as decisões do setor total e exclusivamente a cargo dos profissionais, ao meu ver, é irreal e utópico. A experiência com Rodrigo Caetano deveria ensinar (ou ter ensinado).

Em termos práticos: o treinador pode gostar e indicar ou pedir a manutenção dos jogadores 'x', 'y' e 'z', mas se, no saldo de negociações, o elenco tiver como um dos componentes (e líder) o volante Rômulo, porque os profissionais assim decidiram, porque os profissionais entendem que a maravilhosa estrutura atual do Departamento de Futebol poderá "recuperá-lo", a temporada está previamente destinada a ser mais um retumbante fracasso. É neste ponto que a diretoria amadora precisa atuar previamente, impondo limites e não deixando margem para que o erro se repita.

Não se trata de palpitar em tudo o que os profissionais façam e nem de ela própria montar o elenco, muito menos de montar o elenco sem a participação do treinador, é bom que se frise. Cuida-se, isto sim, de estabelecer limites claros e extirpar previamente (ao planejamento) do setor o que, nos momentos mais decisivos da temporada, evidentemente foi uma das principais causas da falta de ambição e competitividade do time dentro das quatro linhas. Defendo que essas decisões sejam tomadas antes mesmo de se discutir o planejamento.

Além disso, ao impor limites, a diretoria amadora deve ter poder de veto e não temer exercê-lo, o que é bem diferente de propor e escolher os atletas. O empregador, além de estabelecer as metas, tem que zelar para que sejam cumpridas e não contemplar bovinamente a formação e a consumação do desastre. Que espécie de empregador é esse que não pode supervisionar o trabalho (mesmo o mais técnico) dos seus empregados?

Quem disse que o futebol é simples, enganou-se. Aliás, por acaso existe fórmula mágica?

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Semana que vem falo de treinador.

A palavra, como sempre, está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.