quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Alfarrábios do Melo


Ataca o Sport.

Bola com o meia pernambucano, que atende pelo curioso nome de Francisco Alex. O rapaz consegue manobrar no meio de quatro contrários e, sem ser incomodado, desfere da intermediária um tiro fraco, rasteiro. O goleiro Bruno se posiciona e já ajeita o corpo para fazer uma defesa que não parece reunir maior dificuldade. Mas a bola, caprichosa, quica momentos antes de se encontrar com o corpo do arqueiro e marotamente o encobre, indo pousar mansamente às redes rubro-negras.

Está empatada a partida. 1-1.

O Flamengo chega à sétima rodada do Campeonato Brasileiro com 16 pontos, dividindo a liderança com Cruzeiro e Grêmio. No entanto, enquanto mineiros e gaúchos jogam em seus estádios recebendo São Paulo e Internacional, respectivamente, o Flamengo vai a Recife enfrentar o Sport. Significa que, provavelmente, apenas uma vitória manterá o rubro-negro na liderança da competição. Sabendo disso, o time adota postura ofensiva e desde o início da partida faz um jogo franco. Após uma primeira etapa com várias oportunidades desperdiçadas por ambas as equipes, o placar finalmente é aberto aos 9’ do segundo tempo, quando Obina aproveita um cruzamento de Juan e escora para o gol. A vantagem faz bem para o Flamengo, que mantém a partida sob controle, buscando fustigar o adversário em busca do segundo e definitivo tento, que acaba por não surgir. E então, como que para castigar a falta de eficiência dos cariocas, surge, num lance fortuito, o gol de empate dos pernambucanos.

O estádio incendeia, incandescente. Enlouquecidos com o empate, os da casa se atiram em insana fúria, procurando a catártica virada. Instantes após o gol, o experiente Leandro Machado tem a chance do segundo tento, mas erra uma cabeçada às portas da meta de Bruno. Logo a seguir, mais um arremate perigoso. A Ilha do Retiro está em chamas e os pernambucanos, em transe. Preocupado, o treinador do Flamengo vê-se roçando a ríspida superfície do fracasso. Já está convencido de que precisa agir, diante do naufrágio iminente. Em que pese sua inexperiência e certa falta de traquejo ao lidar com determinadas circunstâncias inerentes à rotina de um clube de tamanho porte (o que, meses mais tarde, cobrará seu preço), tem a seu favor a impetuosidade e a inquietude típicas dos jovens. E, mais do que o temor do revés, arde-lhe o incômodo, o inconformismo, a falta de capacidade em aceitar passivamente uma derrota que há poucos minutos caminhava para uma vitória razoavelmente tranquila. E, por conseguinte, a perda da liderança.

Não interessa que o Sport está há 22 jogos invicto na Ilha do Retiro.

Não interessa que o Sport acaba de ganhar a Copa do Brasil, o maior título de sua história (único de âmbito nacional).

Não interessa que o Estádio está lotado com quase 30 mil almas berrando por seu time.

Não interessa que o gramado encontra-se literalmente um pasto, mais adequado para a prática de vaquejada ou outros folguedos rurais.

Não interessa que o adversário, em busca de uma rivalidade artificialmente criada, sempre tenta crescer quando enfrenta o Flamengo


Não interessa… Não interessa… Não interessa.

O treinador trabalha no Flamengo. Sua obrigação é entregar o Flamengo na liderança. Na ponta. Na vanguarda. Sempre e sempre. Vencer, vencer, vencer. Está no hino.

Manda o meia-atacante Maxi Biancucchi aquecer. Sai o volante Cristian.

O Flamengo vai para os minutos finais com apenas um volante de contenção, três meias e dois atacantes.

A entrada de Maxi, argentino atarracado e abusado, embora limitado tecnicamente, transforma o panorama do jogo. O Flamengo passa a protagonizar as ações da partida. A reter a bola. A propor e a impor. Porque a mensagem transmitida por seu banco de reservas, por seu comando, por sua liderança, é clara. O empate, independente das circunstâncias, não é aceitável. O Sport está invicto em casa? É porque não enfrentou o Flamengo. O Sport tem um bom time? O do Flamengo é melhor. O estádio está lotado? O Flamengo está acostumado, talhado para os grandes eventos. O gramado não presta? É obrigação vencer, assim mesmo. Porque, quando se busca a glória, a vitória, o triunfo, o protagonismo, o topo, não há obstáculos, não há subterfúgios, não há fatores a se consumarem em um futuro que nunca chega. Os acomodados, os dotados de bovina resignação rendem-se às circunstâncias imersos na expectativa de um eterno porvir. Os inquietos vão lá e resolvem. Em vez de praguejar contra o frio, deitam na varanda.

Restam oito segundos para o término do tempo. O Flamengo perambula pela intermediária adversária. Kleberson enxerga a projeção de Juan e acerta passe açucarado. O Marrentinho avança e cruza rasteiro para Obina, novamente Obina, o picaresco Anjo Negro da Gávea que, ao melhor estilo de Eto’O, ou talvez de Obina mesmo, dá um jeito de acertar uma letra e vencer a meta defendida por Magrão. O Flamengo faz 2-1. Congelada, a Ilha do Retiro se recolhe a um subjugado silêncio. Assim como é. Assim como tem que ser.

Como é natural, os flamengos comemoram a vitória arrancada no terreno hostil. É inebriante exercer a imposição. Abater a presa. Deleitar-se com o prêmio que logo se revela, já que os adversários tropeçam com empates “normais” em seus jogos e ficam pra trás. A ousadia do treinador é premiada. Com a vitória, o Flamengo é o líder absoluto e isolado do Brasileiro.

Dizem que a bola pune. Mas ela também gosta de dar carinho.

Aos que merecem.