quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Hoje se inicia a temporada 2018, com a estreia do Flamengo no Campeonato Estadual, outrora “charmoso”, hoje controverso. Desde a fatídica decisão da Sul-Americana, muito já se foi falado, marretado, lamentado, cornetado. Ergueu-se uma espécie de consenso, ou se comum senso, de que o Flamengo irrompe o novo ano vestido do mais baixo nível de expectativa externado por sua gente em muito tempo.

Há quem enxergue bom augúrio nisso de “baixar a bola”, ou quem, recorrendo a laivos de memória cada vez mais rarefeitos na massa comum, recorde-se de momentos em que o clube logrou erguer taças após prelúdios pouco altaneiros (embora também exista farta “jurisprudência” que igualmente narre enredos de final distinto, ou seja, não saiu nada de onde nada se esperava mesmo). Para cada 2009 há um 2005 invocando a contradança. Destarte, não vejo ser prudente fundar-se nesse terreno.

Então, sem delongas, o que esperar desse Flamengo?

Em que pese a espessa nuvem de desconfiança e frustração que insiste em repousar em nosso firmamento desde o ainda inesquecido Gasômetro, há alguns aspectos que podem ser recepcionados de forma positiva.

O Flamengo inicia a temporada retendo a espinha dorsal de um elenco qualificado. Jogadores de nível perfeitamente compatível com a expectativa de colher resultados de nível elevado dentro do verdadeiro pântano de mediocridade que se espraia no ambiente do futebol praticado na “terra brasilis”. Há vários jogadores que teriam espaço de protagonista em qualquer equipe nativa, dentro de uma perspectiva de análise individual e de currículo, em que pese o fraco, como um todo, desempenho individual e coletivo demonstrado por vários deles ao longo da temporada passada.

Também há os jovens. A breve consultoria do fujão Reinaldo Rueda deixou um legado que, aos ouvidos mais sensíveis, até hoje ainda grita e reverbera. O Flamengo precisa ser mais assertivo no uso das suas divisões de base. Se o clube conseguiu encerrar sua temporada de forma ao menos digna, posto que frustrante (chegar a duas finais e encetar a classificação direta à Libertadores pode, sim, ser encarado com certa altivez, apesar de pantomimas desnecessárias como a tal foto do Barradão), isso muito se deve à guinada em direção à base promovida pelo alienígena colombiano. Com efeito, Paquetá, Vizeu e Vinícius Jr protagonizaram momentos decisivos na reta final, com gols, assistências e lances efetivamente decisivos. Estão prontos para participar da rodagem do elenco, embora ainda padeçam de certa instabilidade, que tende cada vez mais a ser mitigada. E, como os citados, certamente há mais garotos aptos a iniciarem esse processo. E os primeiros sinais iniciais emanados pela Gávea talvez apontem para uma certa receptividade à retomada desse caminho.

Por fim, a tal “limpa”. Ou “barca”. Dessa vez, o clube aparenta, efetivamente, demonstrar um mínimo de senso crítico, ao promover a dispensa de alguns jogadores cujos serviços já não encontram compatibilidade com os anseios de uma instituição do porte do CR Flamengo. Com efeito, jogadores “úteis” e “de elenco”, incapazes de apresentar desempenho consistente de alto nível, começam a ser descartados, abrindo espaço para o aproveitamento de jogadores “da casa” e para a contratação de profissionais realmente capazes de agregar performance. Porque um Márcio Araújo, um Gabriel, um Rafael Vaz (jogadores cuja contribuição até foi necessária em outros contextos, mas que se tornaram, pelo futebol e/ou pela postura, um estorvo) podem perfeitamente serem garimpados dentro dos muros do Ninho do Urubu. E, além dos jogadores, alguns profissionais da comissão técnica também foram desligados ou esvaziados, o que pode indicar que, de fato, o clube foi capaz de identificar descontentamento com o funcionamento de seu Departamento de Futebol.

Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, e deixo aos amigos a opção de escolherem a conjunção adversativa que mais lhe convierem, há aspectos que não podem deixar de ser considerados.

O primeiro desses elementos reside na própria política de contratações. Em que pese o CR Flamengo singrar em direção ao SEXTO ano da administração azul, celebrada, como se sabe, pelo êxito na reestruturação da instituição, ainda soa incompreensível que o rubro-negro ainda precise recorrer, de forma quase exclusiva, ao surrado expediente de forçar aquisições de jogadores sem despender um centavo. Com isso, muitas vezes chegam ao clube jogadores com histórico de lesões, em baixa ou mesmo decadentes. Ademais, determinadas negociações acabam por se arrastar por semanas ou meses, comprometendo a formação de um elenco homogêneo e com peças de reposição adequadamente preparadas.

Ainda pousando no quesito “reforços”, a Diretoria parece reverberar, de forma pétrea, o dogma das “contratações de oportunidade”. Ou seja, se um jogador está disponível no mercado e a transação aparenta ser vantajosa, que venha. É um pensamento traiçoeiro, uma vez que enseja, à guisa de nocivo corolário, a conclusão de que, se não há “oportunidades” para determinada carência, esta não será suprida. Exemplos que ainda se estampam em nossas lembranças, como a falta de peças para a zaga no início do Brasileiro de 2016, a ausência de reposição para a lesão do Diego no primeiro semestre de 2017 (o clube confiou em Conca, que se apresentava como “aposta de oportunidade”), ou a falta de um reserva adequadamente preparado para o gol, quando Alex Muralha começou a demonstrar a falta de condições de seguir como titular. Agora, em 2018, a perspectiva de repetição dessas anomalias (que, nunca é demais pontuar, provavelmente terão sido decisivas para o fracasso nas principais competições das duas temporadas passadas) projeta sua sombra nas laterais (com a aparente desistência na contratação de Zeca, o Flamengo não acena com alternativas) e, principalmente, no comando do ataque. Com Guerrero suspenso e a negociação pela vinda de Vágner Love (o eleito pela Diretoria) dando sinais de que seguirá emperrada por um bom cacho de dias, há uma possibilidade real de que o Flamengo chegue, daqui a pouco mais de um mês, à Libertadores ostentando severas limitações em algumas posições de seu time titular. E, como o já citado Gasômetro nos mostrou, é o tipo de contexto que fatalmente cobrará seu preço.

Outro incômodo brota da forma de atuação da Diretoria, especialmente de seu Diretor-Executivo, Rodrigo Caetano, que, com a emigração do “cafetero” para as terras andinas, aparentemente irrompe como o nome forte do departamento. Após a saída de Rueda (algo, aliás, anunciado desde dezembro para quem acompanhou atentamente a riqueza de detalhes na narrativa da imprensa chilena), o Flamengo “agiu rápido” e trouxe Paulo César Carpegiani, cujo currículo pós-Flamengo 81-82 chama a atenção pela inexpressividade, em que pese razoáveis trabalhos recentes em clubes de porte menor. Independente da discussão acerca da capacidade de Carpegiani, intriga buscar decifrar qual o critério seguido pelo clube para a escolha do profissional. O Flamengo, no espaço de doze meses, apostou em um jovem talentoso, mas inexperiente, depois recorreu a um estrangeiro rodado e de currículo robusto, e agora traz um “dinossauro” old-school, que jamais se firmou como treinador efetivamente de ponta no cenário nacional. A confusão, quase incredulidade, ganha contornos faiscantes quando se depara com as declarações exaradas na apresentação de “Carpa”, que permitem inferir, com razoável convicção, de que o rubro-negro inicia 2018 dirigido por um interino.

Há mais. Se é verdade que a Diretoria, ao substituir determinados profissionais da comissão técnica, demonstra aparente descontentamento com seu desempenho, também causa estranheza constatar que alguns deles “saíram sem ter saído”, ou simplesmente seguem no clube, apesar de esvaziados. A percepção (que pode ser procedente ou não) aponta para uma certa falta de convicção na execução de determinadas ações. Percepção que se fortalece quando se constata o evidente papel da “opinião pública” (ou redes sociais, como se queira) na contratação, ano passado, de nomes como Rueda e Diego Alves. É bom ouvir a “voz rouca” das ruas. Mas usá-la como bússola, per se, demonstra preocupante falta de certezas. E de rumo.

Enfim, é um Flamengo envolto em incertezas este que hoje inicia sua caminhada na Temporada 2018. Um ano que se espera menos sofrido e frustrante, um ano em que se sonha com um clube que, enfim, abrace sua vocação de comprometimento com a índole de perseguição às vitórias, que encharque camisas e estenda a mão à sua gente. Que seja capaz de fazer brotar jogadores identificados e prontos a atrair admiração e idolatria. Que, enfim, torcer pelo Flamengo nos faça felizes, capazes de cantar a alegria de ser rubro-negro.

Afinal, é nosso maior prazer vê-lo brilhar.