quarta-feira, 14 de junho de 2017

Alfarrábios do Melo

Senhor Presidente,

Qual o problema? Por que o nervosismo? O desarvoramento?

Vamos começar do começo. A gente pode discutir qualidade de jogador, nível de treinador, dar pitaco até mesmo no trabalho de executivo, de diretoria, de gerente. Sim, temos como discorrer longamente sobre qualquer assunto que a gente não domina. Cornetar preparador físico, médico, treinador de goleiro, qualquer coisa. Afinal, o google e o wiki estão aí pra nos ajudar. No entanto, apenas uma coisa, Senhor Presidente, apenas e tão somente um único elemento não pode ser contestado, questionado, alvejado.

O resultado, Senhor Presidente.

O resultado é o juiz, a divindade que imprime de forma indelével nos profissionais da bola o carimbo do êxito ou do fracasso. Nenhum, absolutamente nenhum trabalho poderá ser considerado bem-sucedido sem a irretorquível chancela do resultado. O resultado é educativo. O resultado indica caminhos. O resultado é o senhor absoluto dos esportes de competição, é o juízo final, é o elemento que erige ou destroi currículos, carreiras, vidas. Naturalmente, os mais renitentes recorrerão ao surrado artifício da relativização e do subterfúgio, seja para amaciar fracassos, seja para embotar conquistas. Mas, com o tempo, a mensagem fria, objetiva e seca do resultado prevalecerá. É o que se perpetuará na história. Não é prudente confrontar os resultados.

E os resultados, Senhor Presidente, estão ruins.

UMA vitória em SEIS jogos. Campanha de rebaixado.

Um bom planejamento, Senhor Presidente, não é aquele que provê o desfecho ipsis litteris conforme preconizado meses antes. O planejamento bem feito, redondinho, é aquele que traz a perspectiva de desenvolvimento de ações corretivas aos primeiros sinais de ruídos. Planeja-se, executa-se, afere-se e, quando for o caso, atua-se para corrigir o rumo. Isso está escrito em qualquer livro básico de administração, Senhor Presidente. Quero crer que o senhor saiba disso.

Não é o caso, não daqui de fora, de apontar o dedo. Mas se trata, sim, de ver os sintomas. Porque há muitos sinais. Senhor Presidente, o Donatti saiu do time no mesmo dia que o Diego. 12 de abril. Desconforto na panturrilha, ou algo do tipo. Pois, estamos em junho, Senhor Presidente. Junho. Dois meses. O Diego foi operado e já voltou, taí jogando. E o Donatti nada, Senhor Presidente. E o Berrío? Tomou um totó na perna e já vai pra um mês que mal treina. E ninguém fala nada, ninguém dá uma satisfação. Tudo muito escondido, tudo muito fechado. O Conca veio pra ficar pronto em maio (chegou a ser inscrito pro Estadual e Libertadores), estamos em junho e o cara segue gordo e mancando. O Senhor viu a barriga do Arão, Senhor Presidente? Viu a forma roliça do Vizeu domingo? Lembrou o Obina. Aliás, cadê a Exos, Senhor Presidente? Uns dizem que já se foi, outros falam que ainda estão prestando serviço ao clube. Mesmo uma informação banal como essa sai truncada, ninguém sabe de nada, ninguém tem a explicação concreta, Senhor Presidente.

Há mais. Os reforços. Em tese, cobrindo algumas das deficiências do elenco e repondo saídas. Mas, tal como ano passado, os reforços não jogam. São relegados a papeis secundários. Mesmo tendo custado caro. O Senhor não acha estranho, Senhor Presidente? Temos hoje um elenco muito bom, um dos melhores do país, recheado de opções, e um time titular com várias deficiências. Suspeito que o time reserva do Flamengo hoje chegaria à frente do titular na maioria das competições que disputasse.

Eu sei, Senhor Presidente. Quem escala é o treinador.

Aliás, não sei se o senhor sabe, Senhor Presidente, mas o trabalho do Zé Ricardo, aquele fundamentado nos conceitos e premissas de 2016, acabou. O ciclo está no fim. Aquele time, com aquela forma de jogar, com aqueles jogadores-chave, não vai dar mais nada. Urge iniciar um novo ciclo. Com o mesmo treinador, como o Senhor quer, é difícil. Já aconteceu com o Carlinhos duas vezes (ressuscitou depois de duas pesadas crises em 87 e 92), mas é complicado. Enfim, um novo ciclo, com novas premissas, novo time-base, novas peças-chave (muitas delas já no próprio elenco) precisa ser iniciado, com ou sem o Zé Ricardo. Só tem um problema. Precisamos de um trabalho vencedor. Com índole ganhadora. Capaz de perseguir o êxito.

Aí chegamos aonde eu quero, Senhor Presidente.

Não há qualquer problema num líder demonstrar confiança em seus comandados. Aliás, é algo desejável às vezes, pois é importante injetar moral, fazê-los sentir-se parte importante do trabalho. No entanto, Senhor Presidente, um ou outro elogio esporádico é algo completamente diferente de se derramar em loas emotivas a quem lhe deve satisfação. O elogio fofinho e fácil é peçonhento, Senhor Presidente. Corroi o ambiente. Traz em seu bojo a acomodação. Faz brotar profissionais mimados. Dormentes. Sem compromisso com a perseguição às vitórias. Inerte. Indene.

Um dirigente, Senhor Presidente, é o Chefe. O “hômi”. Aquele a quem se deve obediência hierárquica. Afeiçoar-se e demonstrar apreço por seus liderados é o caminho mais curto para criar um ambiente corrompido. Lasso. Descompromissado. Incompatível com as expectativas criadas por milhões e milhões de torcedores espraiados pelo País. “Mas há cobrança no Departamento”. Sim, pode até haver, até creio que haja (de fora, não sabemos), mas me responda, Senhor Presidente, mesmo se algum diretor ou gerente aperta os jogadores, qual o efeito prático disso, se o cabeça, o líder maior, o dirigente máximo, esforça-se de maneira quase infatigável em lustrar o desempenho dos profissionais a seu comando? Em dourar pílulas? Em passar pano?

Senhor Presidente, o que queremos é que o Senhor converse com a gente. Falar que ficou “triste” com a derrota não irá criar esse canal. O Senhor é incapaz de apontar a mais remota fissura, a mais desprezível anomalia, o mais milimétrico problema em público, Senhor Presidente. Nem ao menos de forma abstrata. Quando o Senhor fala que “está tudo bem”, “não vamos mudar nada”, a mensagem transmitida é a de conformismo. De resignação. De postura bovina. E creia, Senhor Presidente, esse recado tem um efeito muito mais poderoso da porta pra dentro. Porque aqui fora muitos vão gritar, espernear, vociferar, desprezá-lo, mas lá na frente esquecem ou acham outro assunto para se distrair. No entanto, da porta pra dentro esse recado é assimilado. Porque ali não é o Senhor que está falando. É o Flamengo. É o Flamengo que avisa que “está tudo certo”.

E aí aparece a barriga do Arão, a pança do Vizeu, a marra ressentida do Márcio Araújo...

Senhor Presidente, o momento pede ação, não palavras carinhosas. Contrate. Demita. AJA. Anuncie em público que não está satisfeito. Critique o time. Nem precisa colocar o dedo na cara, use mensagens cifradas, entrelinhas. Mas demonstre incômodo. Reconheça falhas. E, pelo amor das divindades, PARE de distribuir afagos, elogios e palavras divorciadas da realidade. Liberte-se das amarras da mediocridade e do pensamento pequeno.

Represente-nos, Senhor Presidente.

Senhor Presidente, o Senhor não governa apenas para seus correligionários. A torcida do Flamengo não se resume a alguns milhares de Sócios-Torcedores. Não adianta falar em “meia-dúzia” de protestos (aliás, discurso pronto dos dirigentes “das antigas”). Não faz sentido praguejar contra as “faixinhas profissionais”. E se realmente houve viés político dos oportunistas e cassandras de sempre? Qual o problema? Um dirigente não pode se meter em briga de rua com o primeiro detrator. O Senhor está despido da sua condição de pessoa física, Senhor Presidente. No exercício do cargo, o Senhor representa o CR Flamengo. O CR Flamengo não sai na mão com sua torcida. Protestos, políticos ou não, fazem parte da história do clube. Um elenco caro e montado para disputar o título brasileiro e, ao cabo de seis jogos, aparece nas franjas da Zona de Rebaixamento. E o Senhor quer aplausos, Senhor Presidente? Em qual tipo de realidade paralela sua entourage o imergiu, Senhor Presidente?

O Senhor gosta de aludir à sua condição de torcedor. Costuma escalar times campeões de outros tempos, lembra-se de momentos da nossa história, e coisa e tal. Eu lhe pergunto, Senhor Presidente. Estivesse o Senhor desatado de sua condição de dirigente, estivesse o Senhor frequentando as arquibancadas e vendo a equipe desfilar esse futebol indigente, apático, burocrático e incompatível com o nível do elenco de que dispõe, o Senhor estaria batendo palmas, Senhor Presidente? Sendo “compreensivo”? Ou estaria xingando alguém? Quem seria seu alvo, Senhor Presidente?

Encerro com uma constatação algo óbvia. Suas reações recentes desvairadas, sua agressividade, seu viés emotivo para descarregar algumas respostas desnecessariamente atravessadas, seu ímpeto em se reconhecer incapaz de assumir erros, tudo isso somente traz uma conclusão
bastante clara.

Não foi “só mais uma derrota”.

Sem mais, Senhor Presidente.