A pressão
parece insuportável.
Quase
setenta mil vozes berram enlouquecidas, quase como em mantra,
buscando empurrar seus onze soldados em celeste, negro e branco em
busca do gol. O gol que irá desfazer a incômoda, a sofrida, a doída
desvantagem que lhes sangra na alma. Que lhe está tirando o troféu
de campeão brasileiro.
E urram,
em desespero.
O
Flamengo resiste. Por enquanto, segundo os descrentes e a legião de
curiosos que anseia pelo revés rubro-negro, mais esperado e
comemorado até mesmo que alguma glória própria. O placar de 1-0,
erigido ainda na aurora do cotejo, agora parece frágil e na
iminência de ser desfeito. Valente, o time sente o mau momento e se
entrincheira atrás. Enseba. Tenta rodar a bola, mas recorre às
bicudas, se necessário. Põe dedo na cara. Não corre da porrada.
O Grêmio
reside na intermediária flamenga. Expele uma saraivada de bolas na
direção do gol de Raul, a maioria sem destino. Em um escanteio,
dá-se um antológico batibufo no caterefofo, onde, em um lance de
rugbi, jogadores gaúchos e cariocas se atracam dentro da pequena
área, enquanto a bola, após pererecar em abandono, é enfim
estapeada pelo sentado goleiro Raul, impedindo que o pior se consume.
O estádio, agora em chamas, clama, roga, implora, e enfim exige o
empate.
Súbito,
no meio da mais brutal das pressões, Leandro, o titular da Seleção
Brasileira, um dos melhores jogadores de um time de gênios, sente
uma lesão. Tenta se manter em campo, mas não há como. Abriu tudo.
Mal consegue ficar de pé. Xinga, esbraveja, dá um soco na grama.
Mas terá que sair.
Encurralado
em campo, o Flamengo perde seu lateral-direito.
Ironicamente,
a lateral-direita era, até seis meses atrás uma posição farta de
talentos, em que o habilidoso e irrequieto Carlos Alberto disputava a
vaga com o correto e regular Nei Dias. Mas Leandro suplantou ambos,
Carlos Alberto terminou por sofrer uma séria lesão, Nei Dias, sem
espaço, foi parar no Fluminense, e a suplência do setor foi
entregue ao jovem Antunes.
Antunes.

Antunes
não fez nenhum jogo esse ano. E terá que entrar na incandescente
decisão. Vai jogar pouco menos de meia hora. E terá que fechar o
lado direito da defesa. Substituir o insubstituível Leandro.
O coração
flamengo se aperta.

Flamengo
tenta sair com a bola, é apertado, vai tocando apressado, Antunes,
em sua primeira participação, é acionado, falha, perde. Odair se
projeta nas costas, como uma flecha, recebe e fuzila o gol de Raul,
mas a bola sobe, rascante, zunindo a trave. Antunes leva um esporro,
depois é abraçado. “Calma, garoto”.
Menos
emotivo e mais pragmático, Carpegiani percebe que isso pode acabar
mal e prepara o antídoto. Saca Nunes e entra com o volante Vítor
(espécie de 12º titular), que irá ajudar a fechar o lado direito.
Zico ficará no comando do ataque. A alteração visa a criar um cinturão para
evitar que Antunes seja envolvido pelo ataque gremista que,
percebendo a hesitação do garoto, já começa a pender para aquela
zona do campo.
Os
segundos viram minutos, os minutos se transfiguram em horas, as horas
viram uma existência. O tempo simplesmente se recusa a passar. O
torcedor flamengo é levado ao limite da ansiedade e da tensão.
Mas eis
que se dá o imponderável.
A
alteração de Carpegiani funciona, e o Grêmio não consegue mais
evoluir pelo seu lado esquerdo. Vítor, incansável, atua de forma
perfeita na cobertura do jovem Antunes. Além disso, o próprio
Antunes, mais protegido, começa a levar vantagem em alguns lances e
ganha confiança. Odair já não consegue driblá-lo. Antunes passa a
dar sequência à saída de bola, troca instruções e esporros com
os mais velhos, deixa de ser um instável ponto fraco na defesa. A
pressão do Grêmio vai arrefecendo, esmaecendo. É o Flamengo que
passa, timidamente, a criar algumas chances.
O jogo
parece sob controle, mas o nervosismo é insuportável.
O
torcedor já não grita. O ar no Olímpico é denso, mas não há
mais a confiança no empate, na virada dos locais. Uma bola é
lançada para Odair. Antunes se antecipa. Dá um balãozinho no
ponteiro e arremata com uma bicuda. Manda a bola, os sonhos e os
anseios dos gremistas ao inferno. Bate a mão no peito. Aqui ninguém
mais passa.
O Grêmio
segue tentando forçar ataques pelo lado de Antunes. Inverte
posições, agora é o também garoto Renato, que infernizou a vida
de Júnior no primeiro tempo, que busca algo na esquerda, mas, já
esgotado e no limite das forças, pouco produz. As perspectivas para
os gremistas são sombrias. O jogo está, agora, à feição do
Flamengo. Que, cauteloso, apenas toca, e toca, e toca a bola, sem
agredir, embora os espaços sorriam à sua frente.

Já no
vestiário, um jogador parece celebrar de forma solitária. Senta-se
num banco. Está arrepiado, mas em silêncio. Agradece aos tapinhas,
aos cumprimentos, “boa garoto”, “arrebentou, garoto”, “deu
o recado, garoto”. Olhos esbugalhados, sente-se enfim parte daquilo
tudo. Percebe que, em um elenco vencedor, todos são capazes de
manter elevado o nível da produção coletiva. Porque, mais do que o
talento ou as fragilidades de seus elementos, a estrutura, a
engrenagem de uma equipe, se bem azeitada, é o que determina seu
funcionamento efetivo. Um grupo vitorioso é um organismo com vida
própria. E Antunes, mesmo sem ritmo, mesmo sem experiência, mesmo
sem rodagem, é capaz de por ele ser abraçado e receber condições
de produzir, mesmo nas mais severas circunstâncias.
Agora
Antunes se lembra do pai. E chora.