Tava
acabando.
Eu sabia,
você sabia, todos nós sabíamos que tava acabando.
As pernas
já pareciam pesadas, a mobilidade não era a mesma, sequer a camisa
9 era sua, perdida para um talentoso forasteiro. As taças, antes
fartas, tornaram-se escassas, a alegria de outrora dera lugar à
aridez, à desconfiança, às decepções.
E a
solução era mudar de ares.
Naquele
momento, já meio que se sabia de orelhada que você estava para sair
pra Itália, o próprio Flamengo já estava atrás de outro
forasteiro, começando outro desmonte no elenco, prática aliás
corriqueira naqueles tempos.
Mas não
ia ser assim, de qualquer jeito. Precisava de uma despedida. Você
não era um qualquer. Não ia sair pelos fundos, em silêncio,
apagando-se aos poucos, qual a tremeluzente chama de uma vela que se
esvai, morosa, até fenecer, quase anônima.
O
anonimato é para os coadjuvantes.
* * *


Dizem que
você só sabia cabecear (como se fosse pouco). Não. Além de chutar
com a cabeça (me perdoe o clichê), você era veloz. Bom de
contragolpe. E tinha bom passe. Tudo bem, não era propriamente
íntimo da bola, mas se virava bem com ela. Sabia usar o corpo e
fazer um pivô. Era um “falso lento”. Ao invés de travar o time,
o acelerava. Aproveitava a bola parada do Júnior e os contragolpes
dos meninos. A peça perfeita.

E com o
Botafogo? Teve um jogo que o time fez dois, um seu, mas no final
cansou e deu o empate. Jogo-extra na quarta, a imprensa toda
animadinha, saudando a “ressurreição” alvinegra, lembrando
1989, uma conversa chata. Aí na quarta você cala a boca dos caras,
chute seco, no canto. Campeão. Na entrevista, “E o Botafogo?
Beijinho, beijinho, tchau, tchau. Que comprem uma TV pra nos
assistir”.

O auge.
As finais com o Fluminense. O lindo gol de cabeça, quase uma
homenagem ao Rei Dadá. Depois, o Brasileiro. Você começou voando,
gol a cacho, a gente começando a pedir você na seleção. O jogão
com o São Paulo no Maracanã, todo mundo vendo, Parreira no estádio.
E você meteu dois.

A
imprensa, como sempre, dava o Botafogo como favorito. E, como sempre,
fomos os campeões. Com gol seu no primeiro jogo. E que gol... Uma
cabeçada que quase rebentou a rede. Segunda partida, você lá no
banco, copo de cerveja na mão, impaciente, querendo festejar. O
topo.
E o
começo do fim.
* * *
Faltavam
poucos jogos. A gente sabia.
Tava lá
na tabela: Fla-Flu. O Nilson tava vindo de lesão, voltando aos
poucos, você tinha retomado a posição. Era jogo grande. Valia
liderança da Taça Rio. O Fluminense vinha invicto e os jogadores
deles tinham falado umas bobagens. O clima estava armado. Tinha que
ser domingo. Mais uma vez. O último encontro. A despedida.
E o
Maracanã se encheu de gente em uma linda tarde de sol. Traje de
gala, dia de festa. E o torcedor lhe recebeu, braços estendidos,
palmas compassadas. E sonhou com a vitória. Com um gol seu.
E você
jogou muito... Você jogou o lindo jogo dos tempos felizes, correndo,
mordendo cada bola, dando passes açucarados, puxando contragolpes,
catimbando a zaga, finalizando. Uma atuação de gala, uma partida do
velho Gaúcho de guerra...
O time
deles abriu 2-0. Mas aquele dia era nosso. Podia fazer quatro, que o
dia era nosso. Fomos pra cima, o Paulo Nunes diminuiu. Depois do
intervalo, caímos pra dentro da área deles, encurralamos, acuamos,
esprememos. Fomos Flamengo. Aí, já perto dos trinta, cruzaram uma
bola. E você arrumou o corpo, saltou e mandou uma porrada. Uma
porrada com a cabeça. A bola foi na gaveta, ainda tilintou no
travessão. E o Maracanã foi abaixo. E você e seus Gaúcho's Boys
saíram em manada pra comemorar com a torcida. Mas não teve
dancinha, não teve rodinha. Foi na euforia de sentir a massa, de se
misturar, de se amalgamar, de se imiscuir com a gente flamenga uma
derradeira vez. De sentir a galera. O tempo poderia ter parado ali.
Mas não
parou, havia um jogo a ser vencido. Não demorou muito, lhe jogaram
outra bola na área. Você fez a parede e escorou pro Maestro mandar
a bomba. Ele também estava perto de ir embora. E viramos. E
vencemos. E pulamos, e cantamos. Pela última vez.
“Ê ô,
ê ô, o Gaúcho é um terror...”
E aí
você se foi.
Você nos
fez muito felizes, parceiro. Essa semana, você nos entristeceu. Uma
única vez. Uma derradeira vez. Assim são as coisas.
Vai com
Deus, mermão. Lá em cima, vai ter jogo. E vai ter gol do Gaúcho.
De cabeça.