Saudações flamengas a todos.
É sabido que a Nação Flamenga
anda carente de ídolos. Os últimos talvez tenham sido Petkovic e Adriano, no já
distante 2009. Sem ter quem admirar ou exaltar, o torcedor acaba se entretendo
em “eleger” o bode expiatório da vez. Por exemplo, no time atual essa “honraria”
pertence ao Pará, jogador por quem os torcedores se acostumaram a nutrir certa
rejeição. E a coluna dessa semana, até para desanuviar um pouco ânimos que
andam meio exaltados, vai listar um “time de malditos”. Jogadores que o
torcedor amou odiar, que muitos, injustamente ou não, vaiaram com força, com
gosto, em algum momento. A lista, evidentemente não é exaustiva, e muita gente “boa”
ficou de fora. Vejam que na escalação tem jogador bom, ruim, da base, de fora. Enfim,
divirtam-se e boa leitura.
OS MALDITOS
1 – CANTARELE (1973 - 1989)
Goleiro talentoso revelado nas
categorias de base, jamais conseguiu se firmar, por conta de seu temperamento
arredio e de sua instabilidade em campo. Com efeito, parecia padecer da
maldição de sempre cometer falhas cruciais quando tinha o caminho aberto para
conquistar a posição de titular (por exemplo, falhou contra o Olimpia na
Libertadores-81, quando havia barrado Raul, quase foi linchado após um frango
no gol da derrota contra o Americano, em Caio Martins, pela Taça GB-87, foi
ostensivamente vaiado por um irritado Maracanã após entregar um gol ao Santa
Cruz em 1988 etc). Viveu seu melhor momento em 1982, quando assumiu a vaga
deixada por uma cirurgia de Raul e agradou com belas atuações. Mas acabou
criticado no lance do gol do Peñarol que tirou o Flamengo da Libertadores,
voltando a ser relegado à reserva. Poucas vezes elogiado, jamais aclamado,
frequentemente vaiado, Cantarele abandonou a carreira em 1989, após ser
responsabilizado diretamente por uma goleada humilhante sofrida para o Grêmio
nas Semifinais da Copa do Brasil (onde falhou em alguns gols).
2 – MAURINHO (1997 - 2002)
Contratado junto ao Bragantino
por conta de seu futebol versátil e voluntarioso, além da facilidade de marcar
gols (especialmente de cabeça), Maurinho logo “caiu na desgraça” da torcida. Sua
disposição em campo era inversamente proporcional à destreza no manejo da bola.
Inicialmente como volante, depois deslocado para a lateral, Maurinho viveu uma
relação de forte ódio e algum amor com o torcedor, que se dignou a criar musiquinhas
pouco edificantes para o jogador. “Tião, Maurinho não!”, gritava o Maracanã
para o treinador Sebastião Rocha ao vê-lo aquecendo para entrar. “Ão, ão, ão,
Maurinho é Seleção! Il, il, il, Primeiro de Abril”, entre outros cânticos. Em
2000, quando vivia sua melhor fase no Flamengo, tendo barrado o premiado
Pimentel, parecia estar se reconciliando com o torcedor. Num jogo contra o
Bangu, 3-0 já decidido, surge um pênalti já no finalzinho. A torcida pede
“Maurinho, Maurinho”. O jogador pega a bola, ajeita e vai cobrar. Chuta. Mas um
tufo de grama sobe e a bola vai mascada, fraquinha, aninhando-se nas mãos do
goleiro. Apesar desse e de outros percalços, Maurinho construiu uma carreira
vitoriosa no Flamengo, permanecendo no clube alguns anos. Com vaia e tudo.
3 – WELLINTON (2009 – 2014)
Zagueiro alto e rápido, mas pouco
ágil no combate direto, foi içado das categorias de base (onde se destacou),
logo ganhando oportunidades na equipe principal. No entanto, sua insegurança,
aliada à notória dificuldade em lidar com o combate direto (especialmente
diante de atacantes mais habilidosos), o transformou em alvo preferencial do
torcedor flamengo. O vasto repertório exibido (furadas cinematográficas, um
vistoso gol contra de voleio numa partida do Estadual, o péssimo desempenho
contra jogadores do naipe de Siloé e Pipico, entre outros) também não ajudou a
desfazer a má impressão. Sempre vaiado e perseguido, jamais conseguiu paz para
se consolidar, alimentando um ciclo de falhas que parecia não terminar.
Surpreendeu a todos com uma boa atuação na panela de pressão de Guayaquil, num
jogo decisivo contra o Emelec, deslocado como lateral-direito. Mas cansou e,
sem pernas, acabou cometendo um pênalti infantil que (novamente) manchou sua
participação. Pouco mais tarde, foi negociado com o Coritiba.
4 – ALEX SILVA (2011-2013)
Contratado a peso de ouro para
“resolver o problema da zaga” do Flamengo, estreou de forma “retumbante”, ao
falhar diretamente em pelo menos dois dos quatro gols da goleada
histórica sofrida contra o Atlético-GO no Engenhão. Alternando atuações ruins,
regulares e até razoáveis com abundantes lesões, acionou o Flamengo na justiça,
alegando salários atrasados. Após idas e vindas, obteve um acordo, desistiu da
ação e foi emprestado ao Cruzeiro, onde novamente se lesionou. Retornou ao
Flamengo em 2013, sendo agraciado com uma saraivada de vaias a cada partida. O
clímax foi a desastrosa atuação na derrota para o Audax (1-2), imputada
diretamente à sua conta. Sem clima, acabou negociado sem deixar nenhuma
saudade.
6 – JUAN (2006 – 2010)
Egresso do Fluminense, não
encontrou dificuldades para assumir a lateral-esquerda. O mesmo não se pode
dizer de sua relação com o torcedor, que desde o início cismou com sua crônica
dificuldade defensiva e com a frequência com que cometia erros primários em
campo. Capaz de marcar gols com assiduidade, como o que deu o título da Copa do
Brasil em 2006, e de se constituir em uma das principais armas ofensivas da
equipe (o que inclusive o levou à Seleção), Juan (conhecido como “Marrentinho”)
escreveu uma história tão vitoriosa como controvertida no clube. Após marcar um
gol contra o Vitória em 2009, no Engenhão, recusou-se a comemorar, atraindo
vaias e mais vaias. Na primeira atuação ruim da equipe, era o primeiro procurado
para o “desabafo” da torcida. Em 2010, após uma péssima temporada sua (já
começava a dar sinais de decadência) e de toda a equipe, acabou sendo negociado
com o futebol paulista.
5 – DELACIR (1988-1989)
Imagine um volante marcador, cão
de guarda, disciplinado taticamente, capaz de estabilizar um sistema defensivo.
Parece bom? Agora o coloque para substituir um jogador da categoria e do
talento de um Andrade (detentor de todas as prerrogativas acima e ainda dono de
um futebol clássico e refinado). A pressão será insuportável, como terá sentido
na pele o esforçado Delacir. Vindo por empréstimo junto ao América para a
disputa da Copa Kirin, agradou e teve seu passe comprado em definitivo. Com a
saída de Andrade, rapidamente se tornou titular e intocável nas mãos de
Candinho e depois Telê. No entanto, a torcida, órfã da classe e da sutileza de
Andrade, jamais soube lidar com as caneladas e os chutões de Delacir. O
resultado, vaias e mais vaias a um jogador que, paradoxalmente, detinha plena
confiança do treinador e do grupo. “É nosso carregador de piano”, diziam. No
entanto, um dia Delacir resolveu querer tocar o piano. Foi tentar uma jogada de
efeito em uma saída de bola, foi desarmado e do lance resultou o gol que tirou
o Flamengo do Brasileiro de 1988. Devastado com as vaias e com a repercussão
negativa, e diante da contratação do talentoso volante Paulo Martins, o
“carregador” Delacir acabou negociado. Pouco tempo mais tarde, destacou-se no
Bahia que chegou às Semifinais do Brasileiro de 1990 (novamente comandado por
Candinho).
8 – MARQUINHOS (1988 - 1995)
Um dos integrantes da constelação
de grandes jogadores surgida nas divisões de base no final dos anos 1980, foi
um dos primeiros a serem efetivados nos profissionais, ao cair nas graças de
Telê Santana, que o utilizava sistematicamente. Após alguma espera, firmou-se
no time principal, primeiro como um titular eventual (primeira opção para o
meio), depois como dono absoluto da vaga. Volante capaz de ditar o ritmo de
jogo, dono de ótimo passes curtos e longos, detentor de um chute venenoso,
tornou-se um dos principais jogadores do Flamengo a partir de 1991, atingindo o
auge em 1993, em que foi o grande nome da equipe na temporada. No entanto, sua
desgraça começou ao ser seduzido por uma proposta do Palmeiras, o que quase o
fez seguir o caminho de outros jogadores contemporâneos. Abalado com o fracasso
da negociação, Marquinhos caiu de produção, o que irritou uma torcida já
magoada. O resultado foi uma perseguição com poucos precedentes. Ganhando,
perdendo, atuando bem ou mal, Marquinhos era invariavelmente vaiado, em um
processo que durou meses. Recuperou seu futebol no final de 1995, ajudando o
Flamengo a atingir as finais da Supercopa. Mas, desgastado com a péssima temporada
da equipe, enfim foi negociado com o Palmeiras, onde teve passagem opaca.
7 – JÚNIOR (2003 – 2006)
Um dia, ao sair de campo
cravejado de vaias, o volante Júnior foi abordado por uma selva de microfones.
“E as vaias, e as vaias?”, perguntavam. “Se estão vaiando, é porque sabem que
tenho qualidade, potencial”. A autoindulgência na resposta talvez justifique o
fracasso da trajetória deste volante tido como talentoso nas divisões de base,
mas que, ao subir, demonstrou pouco mais que indolência tática e certa
habilidade em finalizações. Lento, não era suficientemente combativo para atuar
como volante defensivo. Não tinha dinamismo para fazer a ligação entre as
intermediárias. E errava passes em demasia para atuar mais à frente. Júnior
talvez seja um dos mais acabados símbolos de uma das mais negras fases da
história do Flamengo. Um jogador pouco aplicado, não muito talentoso e
marrento, talvez espelhe o próprio clube em seus anos de chumbo. Inteligente, a
torcida não demorou a perceber o embuste. E passou a acariciá-lo com vaias e
mais vaias. Talvez incomodado com seu baixo rendimento, talvez para abrir
espaço aos novos contratados, Ney Franco acabou não criando obstáculos para sua
saída, já no final de 2006. Em outros clubes, manteve a rotina de passagens
igualmente medíocres. Encerrou prematuramente a carreira.
10 – TITA (1977 – 1985)
Desde os primórdios, a trajetória
de Tita no Flamengo já se anunciou polêmica, ao perder um pênalti decisivo no
jogo que deu o título estadual de 1977 ao Vasco, e, dois anos depois, ao marcar
o gol do tricampeonato do Flamengo nos 3-2 da final contra o mesmo adversário.
Muito talentoso e um ponta-de-lança completo, capaz de atuar como arco e
flecha, exímio lançador, ótimo finalizador, perito cobrador de faltas, arisco,
driblador e combativo, Tita não demorou a emplacar a condição de titular, mesmo
atuando na mesma posição do ídolo Zico, o que o levou a ser improvisado como
meia-armador, centroavante e ponta-direita, posição em que melhor se adaptou.
No entanto, a incessante insistência em atuar com a camisa 10 do craque maior,
o temperamento difícil e um certo individualismo em seu jogo minaram sua
relação com a torcida, que passou a crucificá-lo nos momentos difíceis,
agraciando-o com vaias e xingamentos. Na crise que se seguiu à eliminação do
Brasileiro de 1981, foi tão hostilizado que quase foi negociado com a
Portuguesa. Ficou e foi peça fundamental do melhor time da história flamenga.
Mais tarde, não resistiu ao desgaste do final de 1982 e foi emprestado para o
Grêmio. Com a venda de Zico, teve seu retorno antecipado, enfim ganhou a
sonhada camisa 10 e, após marcar os dois gols da vitória por 2-1 de virada
sobre o Fluminense de Assis, em uma atuação de gala, parecia que finalmente
emplacaria como ídolo. Mas a insistência em cobrar e perder pênaltis decisivos
e a falta de liderança (tinha personalidade reservada e instável), associada à
falta de títulos, voltaram a lhe distanciar do torcedor. Pressionado, deu uma
entrevista desastrosa após uma goleada sofrida em Porto Alegre, onde
“denunciou” certa falta de profissionalismo de alguns colegas, o que o deixou
sem clima na Gávea. Com a volta de Zico, foi negociado, dessa vez em
definitivo, e acumulou passagens vitoriosas e igualmente polêmicas nos vários
clubes por onde passou.
11 – DEIVID (2010-2012)
O Império do Amor se desfez com a
mesma velocidade com que surgiu. No vácuo, jovens da base, jogadores
desconhecidos e veteranos bichados foram provados e reprovados
sistematicamente. Para sanar o problema, o Flamengo trouxe o experiente Deivid,
jogador com expressivo currículo, recheado de passagens vitoriosas em grandes
clubes. No entanto, Deivid sofreu com as limitações físicas que já começavam a
corroer seu futebol, além da péssima fase de uma equipe que passou todo o
Brasileiro de 2010 flertando animadamente com a perspectiva de rebaixamento. O
time melhorou, chegaram várias estrelas, como Ronaldinho Gaúcho, mas Deivid
seguiu acumulando gols e atuações pouco convincentes. Sua pouca mobilidade e a
frequência com que desperdiçava oportunidades claras de gol eram o combustível
para uma relação tumultuada com a torcida. O auge foi uma chance de gol
absurdamente perdida numa derrota para o Vasco, já em 2012, o que criou a
ruptura definitiva na relação com a massa. Logo depois, a solução natural foi
negociá-lo com o Coritiba, encerrando uma triste passagem, esquecível para a
torcida e para o próprio jogador.
9 – BALTAZAR (1983)
Veio
emprestado (troca com Tita) para suprir a lacuna deixada pelo afastamento de
Nunes, que se envolveu numa pesada briga com Carpegiani no início da temporada.
O início foi promissor, com vários gols e a sensação de que a camisa 9 estava
bem servida. No entanto, a instabilidade do Flamengo ao longo do Brasileiro
minou-lhe a confiança e fez crescer a reação adversa de uma torcida já cismada
com seu estilo afoito, dado a perder pilhas de oportunidades. Com a chegada de
Carlos Alberto Torres, perdeu espaço e rendimento, sendo alvo de vaias a cada
gol perdido. Ainda assim, marcou um gol importante, na derrota por 2-1 na
primeira partida da final contra o Santos, num momento em que uma goleada se
desenhava. Após o Brasileiro, ainda teve participação razoável no Mundialito,
mas foi soterrado pela crise que se seguiu à venda de Zico. Inteiramente rejeitado
com uma torcida que, na verdade, nunca digeriu a saída de Nunes, acabou sendo
devolvido antes do final do empréstimo, indo parar no Palmeiras após uma
operação triangular. Ironicamente, seu substituto, Edmar, viveria uma
experiência semelhante, marcada por gols e vaias.