Saudações flamengas a
todos,
Já foi fartamente
discutida, debatida e repercutida a contratação do atacante Paolo
Guerrero. Os rubro-negros exalaram amplas doses de euforia, ansiedade,
divertiram-se com as reações emocionais e desconexas dos torcedores de
microfone que se dizem jornalistas. Na visão tacanha de muitos, ao Flamengo
caberia esse papel bonitinho e inofensivo de paladino da moralidade e dos bons
costumes, mantendo-se lá pelo 12º lugar e se contentando em, de vez em quando,
mendigar os dejetos dos “grandes” clubes de outros centros.
Pois o mocinho boboca
resolveu morder.
O Flamengo tomou do
Corinthians seu melhor jogador e ídolo.
Desenvolvendo, o “Flalido”
foi ao berço da economia pujante desse Brasil varonil-il-il, ao São Paulo
Quatrocentão, à Terra da Garoa, à “Locomotiva do País”, ao centro que, segundo
muitos de seus habitantes, “segura a economia desse país nas costas”, pois o
endividado, falido e quebrado Flamengo foi lá e tomou do “Todo Poderoso”
Corinthians, o SCCP, o “novo chelsea”, o representante da Champions League na
América Latina, o “clube dominante no futebol brasileiro”, pois foi lá e lhe
tomou seu melhor jogador. Seu artilheiro. Seu ídolo. Tomou sem disparar um
tiro, sem cama, sem chama, sem drama. Sem luta. Chegou, avisou “vou levar” e
levou. Sem maior protocolo. Como acontece quando se vai a uma Chapecoense
trazer um Zezinho da vida.
Inevitável posicionar
essa manobra de fortíssimo caráter simbólico com outras transações rumorosas
acontecidas em outros tempos. Operações que explicaram, didaticamente, o
momento vivido pelas equipes envolvidas. Transações que significaram “passagens
de bastão”, ou selaram o desfecho de processos já em andamento. Demonstraram,
acima de tudo, o momento das equipes envolvidas.
Donde, seguirão alguns
desses exemplos. Que a contratação do Guerrero também se revista de um símbolo
e seja o marco inicial de um processo irreversível de retomada do protagonismo
que jamais deveríamos ter perdido.
*
* *
BATISTA, 1981
(Internacional para Grêmio)
Com a venda de Falcão
para a Roma, o talentoso volante Batista se torna seu substituto natural nos
corações colorados. Jogador moderno para a época, é capaz de atuar na proteção
à área e na armação, onde se sente mais à vontade. Seu estilo viril (embora técnico), que lhe
vale críticas das imprensas carioca e paulista, não é empecilho para que Telê o
mantenha entre os convocados à Seleção Brasileira. Após uma atuação
irrepreensível numa goleada histórica sobre o Palmeiras (6-0) pelo Brasileiro,
Batista fratura a perna contra o Sport. Durante a inatividade, seu contrato é
expirado. A diretoria do Internacional, apreensiva com suas condições físicas
após o retorno, protela a renovação. O impasse vai se estendendo e parece sem
solução, mesmo após a recuperação de Batista. É quando o jogador, preocupado
com uma inatividade que poderá comprometer sua participação na Copa do Mundo,
resolve aceitar uma proposta do Grêmio, que deposita o valor do “passe” na
Federação e leva o jogador. A contratação de Batista simboliza o momento em que
o Grêmio passa a exercer o domínio amplo e absoluto do futebol gaúcho, chegando
inclusive a conquistar Libertadores e Mundial. O Internacional vê desmoronar a
Era Falcão, ainda conquista alguns Estaduais, mas se manterá por um bom tempo
como sombra do rival.
NELINHO, 1982 (Cruzeiro
para Atlético-MG)
O Cruzeiro vive
gravíssima crise financeira no início dos anos 80, decorrente do endividamento
causado pela manutenção das caras equipes da década anterior. Seus principais
jogadores começam a protagonizar um melancólico êxodo em direção a outras
agremiações. Como agravante, um dos seus melhores jogadores, Joãozinho, sofre uma
fratura e, ao retornar, perde competitividade. Resta a estrela maior, Nelinho, lateral-direito
extremamente ofensivo oriundo do Bonsucesso que se notabiliza por seu chute
fortíssimo. Enquanto isso, o Atlético-MG, que reestruturou suas divisões de
base, começa a colher os frutos e, após um período batendo sistematicamente o
rival, passa a ganhar expressão nacional. Em 1982 Nelinho não chega a um acordo
com o Cruzeiro, que, completamente asfixiado financeiramente, aceita uma oferta
milionária do maior rival por sua estrela. Mais do que humilhante, a transação
viabiliza a sobrevivência do clube a curto prazo. Enquanto isso, o Atlético
seguirá presente nas decisões dos principais campeonatos do país, embora não
conquiste nenhum. Somente no final da década de 80 o equilíbrio regional será
restabelecido.
FILLOL e JOÃO PAULO,
1984 (Argentinos Jrs, Santos para Flamengo)
Entre 1983 e 1984, a
diretoria do Flamengo avaliou que seu elenco teria a necessidade de trazer um
goleiro e um ponta-esquerda. O goleiro iria suprir a aposentadoria de Raul
(tendo em vista que o reserva, Cantarele, não era considerado confiável) e o
ponta-esquerda daria uma alternativa tática a uma equipe que já começava a
envelhecer. Pois o Flamengo foi ao mercado e trouxe o principal goleiro em
atividade na América do Sul (Fillol), tido com um dos melhores do mundo à
época, titular absoluto da Seleção Argentina. Ademais, foi a São Paulo e tirou
do Santos, vice-campeão brasileiro e rival direto na Libertadores, um dos seus
principais atacantes, com várias passagens pela Seleção Brasileira, o arisco e
goleador João Paulo. Em que pese o relativo sucesso das contratações (Fillol
fez uma brilhante temporada em 1984, mas perdeu foco no ano seguinte, por conta
das polêmicas envolvendo sua liberação para a seleção, e João Paulo sentiu o
peso da camisa e logo caiu para a reserva), as transações demonstram que, à
época, o Flamengo, que era de longe o clube mais conceituado e prestigiado do
país, reunia a capacidade de captar e contratar profissionais de primeira linha
para sua equipe. Isso ainda se manteria ao longo de praticamente toda a década.
BEBETO, 1989 (Flamengo
para Vasco)
Transferir-se para o
futebol europeu torna-se quase uma obsessão para Bebeto, já há seis anos
defendendo o Flamengo. O futebol brasileiro já aceita e convive com a realidade
de ver seus melhores jogadores indo atuar fora do país, e Bebeto percebe ter
chegado sua hora. Está no auge, é goleador no clube, na Seleção. O contrato
está perto de vencer. Seu procurador busca cavar transferências para equipes
como Roma e Bayern Munique. As negociações com os alemães evoluem, mas a
diretoria do Flamengo, irritada com a insistência e o assédio ao jogador em um
momento decisivo do Estadual, consegue, através de algumas manobras
diversionistas, impedir a negociação. Irritado e magoado, Bebeto se deixa seduzir
por uma proposta do Vasco e deixa o Flamengo para defender o rival, numa das
mais polêmicas transações da história do futebol carioca. O símbolo maior dessa
negociação é a demonstração de que os sucessivos erros da administração
flamenga começam a cobrar seu preço. O Flamengo ainda se manterá, a duras
penas, protagonista por alguns anos, mas enfim sucumbirá ao caos. Ironicamente,
Bebeto, apesar do bom início no Vasco (conquista um Brasileiro), tem passagem
apagada e marcada por lesões.
EDMUNDO, 1993 (Vasco
para Palmeiras)
O boom vivido pelo
futebol carioca nos anos 1991-92, revelando pencas de bons jogadores e formando
equipes de ponta, não se mostra sustentável, por uma série de fatores. Mais
organizados e com capacidade de investimento, os clubes paulistas vão como
lobos sobre os alquebrados times do Rio, arrancando-lhes seus principais
jogadores. Nesse contexto, a principal transação, que simboliza esse momento, é
a transferência de Edmundo, melhor jogador e candidato a ídolo vascaíno após a
aposentadoria de Roberto e a venda de Bebeto, para o Palmeiras. Outros jogadores
(Valdeir, Válber, Marcelinho, Júnior Baiano, Djalminha) irão trilhar o mesmo
caminho, pavimentando um domínio que se estenderá ao longo de praticamente toda
a década de 90.