Saudações flamengas a
todos,
Ultimamente tenho me
envolvido em algumas discussões, cujo principal mote trafega ao redor de uma
questão aparentemente simples: afinal, este time do Flamengo tem condições de
colher bons resultados ao longo da temporada?
A questão, posto que
simples, é traiçoeira, pois o futebol costuma demonstrar que as circunstâncias
que erigem e destroem equipes oscilam ao humor das brisas.
Isto posto, deixo aqui
uma história que trata de um dos mais colossais erros de avaliação que
presenciei nesses mais de trinta anos acompanhando futebol. Boa leitura.
1994.
Falta dinheiro, mas
sobra entusiasmo.
Após a perda o Estadual
por detalhes, paira na Gávea a certeza de que há uma espinha dorsal de
qualidade e em condições de ser trabalhada para o Campeonato Brasileiro. Vários
garotos foram promovidos ao longo da competição e funcionaram, a torcida viu
florescer de maneira fulminante o talento do jovem Sávio, e mesmo entre os
jogadores caros contratados às pressas houve alguns destaques, casos de Boiadeiro e Charles.
Mas, sem recursos, o
Flamengo somente terá condições de manter o goleador baiano para o restante da
temporada. Os rodados Valdeir e Carlos Alberto Dias são devolvidos aos seus
clubes, e Boiadeiro, apesar do interesse rubro-negro, migra para a maior
estabilidade e organização do futebol paulista (vai jogar no Corinthians). O
treinador Júnior, que manteve uma relação de constantes atritos com a
diretoria, é dispensado, e em seu lugar chega o mestre Carlinhos, profissional
habituado a lidar com elencos jovens.
Carlinhos terá a missão
de avaliar o elenco na série de amistosos que o Flamengo fará no exterior,
enfrentando equipes europeias e asiáticas. As referências do elenco são o
goleiro Gilmar (que não viajará, pois está renovando o contrato), o zagueiro
Gélson, o lateral/volante Charles Guerreiro, os volantes Fabinho e Marquinhos,
o atacante Nélio e especialmente o zagueiro Rogério, que enfim vive seu melhor
momento no rubro-negro, assumindo sua posição de líder natural de um elenco
onde pulsam os garotos Adriano (goleiro campeão da Copa SP de 1990 e apontado
como o herdeiro de Gilmar), Henrique (lateral-direito arisco e impetuoso),
Índio (zagueiro tosco e vigoroso), Hugo (meia que cadencia e distribui o jogo),
Rodrigo Mendes (meia-atacante muito veloz e habilidoso) e Magno (atacante
rápido e trombador). E há Sávio, cujo talento já assombra inclusive os mais
céticos.
A missão do Violino
será analisar esses nomes e apontar eventuais necessidades de contratação.
A primeira partida da
excursão é a mais emocionante, não pelo que acontece em campo, mas pelas
circunstâncias. Zico está se despedindo do Kashima Antlers e convida seu time
do coração para a derradeira partida. O Flamengo (que curiosamente atua nesse
jogo com um patrocínio pontual dos Postos Ipiranga) vence por 2-1, com dois
gols e show de Sávio, diante de 50 mil torcedores que lotam o Estádio Nacional
de Tóquio.
A seguir, os comandados
de Carlinhos participam do Torneio Internacional da Malásia, criado em
complemento às festividades de inauguração do belo e suntuoso Estádio Shah Alam
de Kuala Lumpur. O torneio reúne seis equipes, distribuídas em dois grupos. O
rubro-negro estreia contra a seleção olímpica da Austrália (os Olyroos). Jogo tenso,
pesado, truncado, e um insosso 0-0. Ao final da partida, Carlinhos se diz
impressionado com o sistema defensivo dos australianos, considerado por ele “um
dos mais perfeitos jamais visto”.

Com o resultado, o
Flamengo termina o seu grupo na primeira posição e se classifica para a Final.
Vai enfrentar o Bayern Munique, campeão alemão.
O Bayern vem a campo
com nove de seus titulares. Está lá meia seleção alemã (Hamann, Scholl,
Nerlinger, Zickler, Babbel, Ziege) e o artilheiro francês Jean-Pierre Papin. Os
desfalques são o controvertido goleiro Oliver Kahn e o zagueiro Helmer.


Com o desempenho
flamengo na excursão, cria-se uma atmosfera de entusiasmo e alegria, que ganha
tintas de euforia. A avaliação geral é a de que uma equipe capaz de enfrentar e
vencer algumas das principais forças do planeta está plenamente pronta e
preparada para disputar de forma competitiva o Campeonato Brasileiro e a
Supercopa. Aliviada, a diretoria anuncia que não fará contratações de peso para
o restante da temporada. Não é necessário.


A expectativa devasta o
preparo psicológico de uma equipe aguerrida e com alguns talentos, mas
limitada. O resultado é um desastre, um cataclisma, uma prévia do padecimento
em anos seguintes. O Flamengo chega a passar oito jogos sem vencer, sofre
várias goleadas (uma delas para um catado de reservas e juniores do São Paulo),
torna-se piada nacional e vários jogadores acabam carbonizados, como o próprio
Magno, um dos principais alvos das chacotas e pilhérias. Felizmente, a Segunda
Fase não interfere na briga pelo rebaixamento. O Flamengo termina o campeonato
como um dos piores times da fase, o 14º entre dezesseis equipes.
Enquanto o time
naufraga e é praticamente largado ao abandono por uma diretoria mais preocupada
em tentar a reeleição no final do ano (em que fracassa), um movimento silencioso,
mas intenso, quase febril, começa a ganhar corpo. Uma sequência de tratativas,
acertos, conversas, sondagens. Uma marola que se iniciou quase descompromissada
ainda durante a Copa do Mundo vai se tonificando. O que parecia absurdo,
delirante, objeto dos devaneios de alienados, talvez não seja tão surreal.
E os telefonemas entre
o Rio e Barcelona seguem a cada dia mais intensos.