domingo, 9 de novembro de 2014

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

O acontecido na última quarta-feira ainda me tem suscitado algumas reflexões. Nunca é bom perder, ainda mais naquelas circunstâncias, mas já passou. Logo estaremos às voltas com outras partidas decisivas, e na maioria delas emergiremos vencedores, como sempre foi, é e será.

Mesmo assim, reveses sempre são úteis para que se possa tecer algumas avaliações e digressões, ainda me atendo ao que ocorreu dentro do campo. Oportunamente opinarei sobre a péssima condução do futebol flamengo em 2014.

A elas, pois, em pitacos.

1 – O JOGO
A leitura (para usar mais um dos termos insuportáveis nesses tempos “politicamente corretos”) que faço do jogo, na minha visão limitada, é simples. O Flamengo perdeu porque deu ao adversário a chance de sonhar. Incorreu no mesmo erro que o pavoroso time do Corinthians, foi ao Mineirão jogar por uma bola. Após o gol, acreditou que entrincheirar-se atrás e jogar na bicuda seria suficiente. Eis a armadilha. Porque atuar ocupando o campo adversário, encurralando, pondo nas cordas é a forma de jogo mais confortável para o Atlético, é como eles funcionam melhor. Ao trazer os mineiros para perto de sua intermediária, o Flamengo selou sua sorte. E isso se mostrou cristalino com poucos minutos do segundo tempo, quando já se podia pressentir o pior. Uma situação ideal para o Flamengo seria seguir com a marcação adiantada, buscando o jogo franco, fustigando a fraquíssima defesa deles. Não foi possível, ou por falta de visão ou por falta de qualidade mesmo. Por vezes se enxerga a situação, mas não há peças para reverter algo que se desenha em campo.

2 – BODE EXPIATÓRIO I – O TREINADOR
Eis que chego ao ponto seguinte. Tenho lido e visto uma grita estridente buscando, a tom de sirene, servir a cabeça do treinador Luxemburgo numa bandeja de prata, maçã à boca, farofinha e quetais. Seu pecado capital, mortal, qual tivesse espancado mãe e pai: evocar a capenga trindade de Elton, Mattheus e Luiz Antonio. Decerto são nomes que não povoam os nossos pensamentos mais líricos. Sem dúvida que sua atuação opaca revestiu-se num complicador. Mas, diante de tão efusiva grita, de tamanha disposição a remeter o experiente treinador ao cadafalso, indago-me, com a curiosidade das crianças.

E era pra botar quem?

O Muralha, com seu conhecido “espírito de competição”, que tantas vezes nos “encantou” nas Libertadores de 2012 e 2014? O Mugni, com seu impressionante índice de “acertos” de passes? Uma solução extravagante com três zagueiros, tirando mais gente do meio-campo? Ah, decerto o Arthur, o nosso Val-2014.
Eu vejo que o Luxemburgo tentou manter o Flamengo estruturado para esboçar um mínimo de jogo franco, conceito que em tese seria o correto. Mas esbarrou na aridez do banco de reservas, na absoluta falta de peças. Talvez fosse o caso do Amaral em algum momento, mas não foi esse o principal fator da derrota. De qualquer forma, um pouco de coerência de quem critica já ajudaria. Cornetaram a entrada do Mattheus e do Elton, “jogadores que quase não atuam”, e pediram o Sartori. Complica.

3 – BODE EXPIATÓRIO II – O FILHO
É sabido que a torcida flamenga não perdoa, não digere e não tolera o Bebeto, por conta de 1989. E asseguro sem medo de errar que 80, 90% dos brados contra o garoto decorrem desse ranço. Saber jogar bola ou não é irrelevante nesse caso. Também não sou propriamente um admirador do Bebeto (sim, não esqueci 1989), mas nesse caso ele tem certa razão quando afirma que estão tentando crucificar o Mattheus não pela sua atuação, mas pelo seu RG.
Eu acho que a atuação dele foi opaca e ele sentiu o jogo, como outros. Mas está muito longe de ser apontado como um dos principais responsáveis pela derrota. No fundo, resultados negativos nos incitam à busca do culpado, da besta-fera, do anticristo. E não é incomum sermos traídos pelo fígado nessas horas.

4 – A APATIA
Para mim, tão ou mais relevante do que a escassez de jogadores foi a postura do time na segunda etapa. Como frisado mais cedo, a equipe deu excessiva importância à questão do gol marcado fora de casa. Chegou a ele, e com isso houve uma espécie de relaxamento inconsciente. O Flamengo que entrou em campo no segundo tempo foi, animicamente, diametralmente oposto ao que iniciou a partida. Com cinco minutos da etapa final, eu já temia o pior. Não se joga contra equipes como Atlético-MG, Corinthians, Bahia, Brasil de Pelotas, Santa Cruz, equipes de massa, de torcidas reconhecidamente inflamadas, dando-lhes a chance de sonhar, independente de sua qualidade técnica. São torcidas passionais, sensíveis ao pulso do jogo. E eis que o Flamengo volta a campo a garrote frouxo, saída de bola quase displicente, deixando-se marcar, bicudas ao léu, troca de passes nula. Os momentos emblemáticos são o calcanharzinho do nosso goleador croata em frente à nossa intermediária e o patético, juvenil, imberbe escorregão do nosso neocapitão zagueiro em uma bola dominada, cedendo um precioso escanteio ao adversário. Dois lances, dois gols.

5 – A CAMISA GANHA JOGO. MAS NÃO JOGA SOZINHA
O Flamengo, historicamente, gosta do formato matamata, costuma ir bem nesse tipo de competição, já conquistou vários títulos. O que não quer dizer que irá ganhar TODOS os jogos eliminatórios apenas com a força da camisa. E muito menos que, por conta do retrospecto, há adversários já marcados previamente com o ferro da derrota.
O Flamengo já foi eliminado várias vezes em copas do brasil, libertadores e coisas do tipo. Trago à luz dois desses momentos. Um deles é a derrota para o próprio Atlético-MG nas oitavas do Brasileiro de 1986, jogos que foram disputados no início de 1987. No Maracanã, empate em 1-1, e no Mineirão, derrota (0-1), num jogo em que Zé Carlos evitou uma goleada. Ou seja, ao contrário do que vi muitos apregoando, os mineiros, em que pese sua reconhecida freguesia histórica, já nos eliminaram em outra ocasião. E isso não é vergonhoso.

Do outro caso fui me lembrando ao longo do segundo tempo do jogo de Minas, por sua irritante coincidência. Há exatos 30 anos, em meados de 1984, o Flamengo enfrentou o Corinthians pelas Quartas de Final do Brasileiro. Na primeira partida, abriu 2-0 no Maracanã, em jogo que poderia ter construído um placar mais alto. Antes do jogo de volta, enfrentou o América de Cali, também no Maracanã, pela primeira fase da Libertadores. Um empate deixaria o rubro-negro virtualmente classificado, mas a comissão técnica preferiu não arriscar e escalou os titulares. O time, mesmo se poupando, não teve dificuldades para vencer (4-2). No entanto, dois de seus principais jogadores, Tita e Bebeto, se lesionaram seriamente.
Com Lico no lugar de Tita e Bebeto no sacrifício, o Flamengo foi ao Morumbi decidir a vaga contra os paulistas. Conseguiu atuar bem por cerca de 25 minutos, criando chances de gol, trocando bolas. Bastou uma falha individual do zagueiro Figueiredo para tudo ir por terra. O primeiro gol adversário descontrolou completamente o rubro-negro, que não se encontrou mais na partida. Os jovens Figueiredo, Bigu e Élder, em tarde desastrosa, nitidamente demonstravam nervosismo e descontrole. Para complicar, Bebeto, que fazia número e se arrastava em campo, enfim sucumbiu quando o Flamengo já havia realizado as duas alterações, deixando o time com dez. O treinador Cláudio Garcia, após o jogo, seria muito criticado, especialmente por ter colocado em campo o atacante Nunes, que vinha de longa inatividade e estava completamente sem ritmo de jogo. Como resultado, o time viveu um absoluto inferno astral, sofreu quatro gols em pouco mais de 30 minutos e por pouco não sofreu uma goleada histórica. No fim, ironicamente, saiu eliminado pelo mesmo placar de quarta-feira passada (1-4).

* * *

Encerro com uma citação.

Uma vez, antes da final de 1992, o zagueiro Gotardo declarou, “não podemos achar que só porque chegamos já está tudo certo. Não interessa se o Flamengo cresce em jogos decisivos. Tem que esquecer isso e fazer acontecer dentro de campo.




Ah, em tempo. Não creio, mas se algum galináceo mineiro andar passeando por essas linhas, lembro que as taças conquistadas em 1980, 1981, 1987, 2006 e 2009 continuam nas prateleiras da Gávea. 

Reveses episódicos não reescreverão a história.

Boa semana a todos,