Pouco se fala nesse título, a Copa do Brasil de 1990, certamente porque muitos mais importantes do que ele o Flamengo conquistou; mas, para esse rubro-negro que vos fala, ops, escreve, foi um título inesquecível, pela singela razão de ter sido o primeiro presenciado ao vivo, no próprio estádio, e o primeiro título sem o Zico. Mas, antes de falar das emoções, vamos nos situar no contexto histórico.
Em fevereiro daquele longínquo ano eu havia presenciado a despedida do Galinho de Quintino do futebol brasileiro, no Maracanã, assistindo ao empate de 2x2 com o World Cup Masters, time formado por craques convidados para a festa, que tinha desde Taffarel até Mário Kempes. Era então, definitivamente, o primeiro ano sem o Zico, que não viria mais a disputar qualquer partida pelo Flamengo, muito menos profissional.
Bem, o ano estava passando sem muitas expectativas, com aquele sentimento de vazio, mesmo com a presença do Maestro Júnior no meio de campo; o Vasco havia sido campeão brasileiro em 1989 e o Corinthians se sagraria campeão brasileiro pela primeira vez naquele ano; claro que, como torcedor apaixonado, queria mais títulos, ainda que o Flamengo, naquele tempo, fosse disparado o maior campeão brasileiro (quatro vezes, seguido por Internacional, então em baixa, com três, e Palmeiras e São Paulo, com dois).
Então, veio a decisão da Copa do Brasil, aquele torneiozinho que parecia bobo, o qual o Zico, no ano anterior, numa crítica ao Ricardo Teixeira, havia chamado de "caça-níqueis", mas poxa vida, era o Flamengo em campo, e é claro que eu tinha que ir. Não tinha carro e o meu pai precisava usar o dele para trabalhar. Estava pensando na passagem de ônibus, no dinheiro do táxi em Goiânia quando, subitamente, lembrei-me do meu amigo Augusto, futuro padrinho de casamento, e que me devia algo após haver aparecido, um ano antes, com o uniforme do Grêmio, lá em casa, para assistir aos 6x1 na semifinal da mesma Copa do Brasil do ano anterior (como eu odeio o Grêmio, mas isso fica pra outra coluna).
Augusto havia acabado de comprar um Escort XR3, era a sensação da mulherada, e eu dei o ultimato: "vamos para Goiânia e você vai estrear o seu carro na estrada!"
Dito e feito. Fomos, juntamente com o amigo Marcelo Kappa, esse rubro-negro (tínhamos que estar em maioria, afinal de contas), e, chegando lá, quase na hora do jogo, conseguimos os ingressos e, ao entrarmos no Serra Dourada, descobrimos que havíamos errado de lado! Bom, atravessamos o estádio inteiro pelo corredor na parte mais baixa da arquibancada tomando vaia, chuva de papel, etc. Ainda bem que o povo goiano, hospitaleiro, cordato, não foi além disso. Mas que deu medo deu, rsrsrsrsrs.
Chegando à torcida do Flamengo, espremida num canto, sentamo-nos logo abaixo da extinta "Falange Rubro-Negra". Comprei até um adesivo que depois colei no carro; meu pai adorou, a sem-graça da minha namorada da época odiou (foi muito sacaneada pela irmã, rsrsrsrsrs; como é que eu namorei aquela chata tanto tempo? Deixa pra lá...) e minha mãe queria arrancar do carro de qualquer jeito...
"Novesfora" duas intercorrências, o jogo passou sem susto. A primeira foram as TOs chamando os goianos para a porrada; como eles não vinham, desceram uns três negões dobrados e sentaram o cacete num pobre-coitado cujo erro na vida foi exibir a camisa do Goiás debaixo delas, TOs, beijando o escudo. Para quê? Depois que o dito cujo apanhou igual a um boi ladrão, olhei para o lado e vi uma massa verde-e-branca se dirigindo para a nossa direção, muitos com as caras pintadas de verde-e-branco e entoando hinos de guerra. Quando vi a estatura dos policiais militares que faziam o "cordão de isolamento", pensei: "fodeu; Gustavo, do céu, o que você veio fazer aqui?" O Augusto, gaúcho malandro, me disse que, se algo fosse acontecer, o pessoal não estaria tão animado e despreocupado, e olhem que eles, os membros das TOs, continuaram a provocar os goianos e os xingar a todos a plenos pulmões: "Pra frente, pra trás, na bunda do Goiás..." Tá certo, no final eles tinham razão, mas pqp, como é que puderam confiar nums PMs tão magrinhos, até hoje me pergunto...
A segunda intercorrência me levou a uma semana de recuperação. Não é que os caras acenderam aquelas latinhas com a fumaça tóxica exatamente atrás da gente? Eu tossi o jogo inteiro e a camisa branca, que usava, ficou vermelha. Aliás, tem manchas leves até hoje!
O rádio tocava músicas debochando do Flamengo, inclusive o hino, sendo que de uma, de extremo mau gosto, eu lembro: "era uma vez, Flamengo...". Na preliminar de juniores, o time do Goiás fez gol e os jogadores foram comemorar na frente da torcida do Flamengo beijando o escudo daquele time ridículo... Enfim, o clima era de decisão mesmo e era só provocação pra cima do Flamengo!
O jogo passou devagar, lento, amarrado, no qual eles pressionaram, mas não criaram nada mais sério em termos de chances de gol, e o Zinho ainda fez um mal anulado pelo bandeirinha FDP, corno, filho duma égua côxa. Nada que impedisse o título, porém; mas que aquele bandeirinha é um desgraçado filho duma cadela manca, ah isso é!
Quando o título estava garantido, a emoção foi indescritível. Aos amigos, posso dizer que ser campeão na casa dos outros, depois de tantas agruras e provocações, tem seu sabor especial, único. Aquela massa verde-e-branca indo para casa com o rabo entre as pernas foi algo inesquecível, podem crer.
O curioso é que, enquanto escrevia esse texto, pensei em algumas coincidências daquele tempo com o momento que vivemos hoje. Não me refiro apenas à presença do hoje treinador Rogério Lourenço, o nosso "estimado" Estagiário, na zaga, mas ao primeiro titulo sem o Zico. O meu primeiro título no estádio foi o primeiro título sem o Zico. E naquele tempo, como hoje, o momento era de renovação e de esperança.
Fica aqui a promessa: tal qual naquela quarta-feira, 7 de novembro de 1990, o meu primeiro título num estádio, o primeiro título sem o Zico, eu também estarei no estádio no primeiro título com o Zico... de novo no Flamengo!
Bom dia e SRN a todos.